quinta-feira, 9 de julho de 2020

EDITORIAL: CIDADÃOS MALTRATADOS, UM VERBO SEM TEMPO

(Foto de arquivo)





Em analogia, nos deveres, morais e éticos, uma igreja deve estar para os seus crentes acólitos como uma qualquer Loja do Cidadão para o nascido ou naturalizado no país -sem desprezar outros, obviamente. Ou seja, em ambos os casos, quem comanda deveria ter uma preocupação permanente: estar sempre disponível para atender os necessitados. Claro que há uma diferença abissal, se o religioso sentir a frustração de, no mínimo, não ser ouvido no seu apelo, pode sempre escolher outra paróquia. Já na Loja do Cidadão, se, por um lado, o residente está limitado à sua área de circunscrição, por outro, o tratamento processual caminha em linha única, isto é, as directrizes são emanadas pela lei, e portanto, mudar de padeiro não lhe vai garantir um pão de melhor qualidade.
E, depois desta longa introdução, vou direitinho ao assunto que me levou a escrever. O que se passa diariamente na Loja do Cidadão, no Largo das Olarias, em Coimbra, só é admissível num país onde o indivíduo económico, escasso em direitos e atolado em deveres, apenas é visto como pagador de impostos. Estou em crer que se não fosse o desvelado esforço da maioria de funcionários, provavelmente, a PSP seria ali chamada todos dias só para manter a ordem pública. É certo, também que esta nuvem que se abateu sobre toda a comunidade chamada de Coronavírus acaba por amansar mais facilmente o mais rebelde do que tivesse tomado três ansiolíticos. Porventura, a maldita virose tem as costas largas e tudo lhe encaixa e serve para desculpar o escárnio.
Antes de prosseguir, convém lembrar que, excepto os da Área Metropolitana de Lisboa que reabriram mais tarde, todos estes centros de atendimento, embora condicionados, começaram a assistência nos primeiros dias de Junho. Se nos primeiros tempos até se entendeu a balbúrdia – porque, sendo justo, nenhum governo estaria preparado para uma coisa destas -, custa a compreender como é que, marcando o calendário o oitavo dia de Julho, por conseguinte, mais de um mês depois, tudo continua igual – se não para pior.
Para ser mais preciso, há dias fui para tratar de um assunto relativo ao Cartão de Cidadão (IRN) e que exige marcação prévia através de um número nacional e um número local. Ligava-se qualquer um deles e ou dava sinal ocupado ou nem sequer emitia qualquer sinal. Agora imagine o leitor tentar convencer a funcionária da triagem que o sistema não estava a funcionar devidamente? Complicadíssimo. Só se resolveu com a minha irritação -escusado será dizer que quando me indigno, talvez por ser tomado de um espírito pouco assertivo que me acompanha, sinto-me transformado em alguém que não reconheço. Na maioria dos casos funciona sempre, isto por que a meu ver, alguns indivíduos, envolvidos no seu ilusório poder majestático, estão convencidos que qualquer cidadão é simplesmente (mais) uma ovelha ro(a)nhosa que nem sequer tem coragem para lançar um grito de resistência. Então, quando acontece comigo, o opressor, como não está habituado, fica mais amarelo que o meu canário e, tantas vezes que já assisti, nem sabe onde se enfiar. Neste caso em apreço, acabou tudo em bem com a funcionária a pedir desculpa.
Hoje, durante a tarde, voltei à Loja do Cidadão. Sobre um calor tórrido na ordem dos trinta graus Celcius, algumas dezenas de pessoas (como eu) mantinham-se a corar ao Sol, à espera de serem recebidos para resolverem os seus assuntos.
Ainda que provisoriamente, custaria muito colocar um toldo em toda a extensão das portas de entrada?
Custaria muito colocar umas cadeiras de plástico para os mais velhos, incapacitados e doentes de ocasião se acomodarem?
É certo que existe lá no Largo uma série de bancos em cimento, o problema é que, por estarem tão distantes da zona de intervenção dos funcionários, quem se sentar corre o risco de não ouvir a sua chamada.
Vá-se lá saber porquê, a Câmara Municipal de Coimbra e as Águas de Coimbra (AC) não estão sujeitos a inscrição prévia. A coisa desenrola-se assim: volta e meia, de cada um dos serviços, vem um funcionário à rua e, gritando o mais alto que pode, interroga: “está alguém para ser atendido?".
Tudo corre bem se houver uma ou duas pessoas em espera, o problema é se for meia-dúzia. Quem é o primeiro? Pergunta o trabalhador. E à sua frente surgem seis braços em riste. Custaria muito a estas duas entidades colocarem uma máquina de senhas, ainda que provisoriamente, na via pública?
Vale a pena perder uma hora, mesmo que a secar, para apreciar os comportamentos sociais. Pode (des)aprender-se muito, até observar um individuo a andar naturalmente pelo seu pé até às proximidades, de repente salta para uma cadeira de rodas e aí vai ele transformado em deficiente e corta a meta em primeiro.
Bem sei que quem pode e manda não vai ligar nada ao que aqui relato, mas gostava que o Estado, entidade abstracta e cujo número somos todos, tivesse mais consideração pelo cidadão. A minha principal preocupação é duvidar que o desgraçado vírus vá aguentar tanta culpa e arcar com tanta desconsideração e falta de respeito.
Ah, é verdade, fui muito bem atendido, sobretudo com muita simpatia, pela funcionária das Águas de Coimbra.

1 comentário:

Henrique Ramalhete disse...




BEM VINDO LUIS,AS TUAS OPINIÕES AS TUAS CRITICAS AS TUAS OBSERVAÇÕES FAZEM FALTA,JÁ TINHA SAUDADES.
UM ABRAÇO H. RAMALHETE.