sábado, 16 de janeiro de 2010

UM COMENTÁRIO RECEBIDO (SOBRE...)



Anónimo deixou um novo comentário na sua mensagem "ABRIU A "ESTAÇÃO DOCE"...":





De facto parabéns à nova imagem da Antiga Império! Já merecia. Felicidades aos novos proprietários.
Gostaria só de comentar, em abono da verdade e em nome de quem já cá não está para se defender:
Estive ligado à Império cerca de 30 anos. Quase nasci lá! é verdade! Trabalhei lá muito e convivi com dezenas de funcionários de quem tenho muitas saudades. Comi e bebi centenas de vezes no refeitório da Império na Rua da Sofia, no andar de cima, ao lado da Distribuição. Comi de facto algumas vezes jardineira e sempre boa e com as melhores carnes. Se tinha fome, não era guloso e comia pão com manteiga ou fiambre ou queijo, ou fruta. Às vezes comia um bolo ou outro, sem nunca me repreenderem. Toda a comida para empregados era confeccionada na mesma cozinha do Restaurante Império.
Lembro-me de ver alguns trabalhadores a "tirarem" às escondidas: Tabaco, queijos da serra, bolos, garrafas de vinho, enchidos etc, etc, não sei para quem mas eu vi! Lembro algumas vezes ouvir comentários do género: “Caramba trabalhou-se tanto hoje e só há este dinheiro na caixa!!"
Lembro de a seguir ao 25 de Abril alguns trabalhadores (poucos), tentarem tomar a casa de assalto (tempo do PREC e do oportunismo). Lembro-me do meu querido amigo Senhor Carvalho, sempre com respeito e respeitoso. Lembro-me do meu amigo, Sr. Rui da Sofia, do meu amigo Zé do armazém. Lembro-me da Zefa, da Graçinda, do Sr. António das ameias, da Celeste da copa das Ameias, do Marques da carrinha, do Sr. Brito pasteleiro, do Ti Joaquim Rato, do amigo Adriano do restaurante do amigo Valdemar da cozinha, do Sr. Joaquim Fernandes, do Sr. Augusto Pinto, do Sr. Martinho. Lembro-me de tantos outros trabalhadores e bons amigos, também lembro alguns menos bons, lembro-me de a entidade patronal mandar em algumas alturas, almoço todos os dias para alguns familiares de empregados, que naquele tempo de miséria passavam mal. Lembro de que no refeitório havia sempre água, vinho e sumo para os empregados. Lembro da alegria de trabalhar com gosto, apesar dos ordenados baixos (eram outros tempos), lembro as campanhas do bolo rei onde se chegava a estar 5 dias quase sem ir à cama para fabricar 10 toneladas de bolo, lembro os grandes banquetes que servia a Império e “tannnntas” outras coisas.
Curiosamente, não me lembro de outros cafés e pastelarias darem refeições aos funcionários. Se calhar havia. Não me lembro de haver uma pastelaria com 120 trabalhadores, onde o ordenado ao fim do mês lá estava! Às vezes com tantas dificuldades...
Curiosamente, ainda, não me lembro de alguém dizer que se passava fome. Sinceramente, sinceramente, comida, meu caro Senhor era o que não faltava naquela casa! Carne e peixe era do melhor! Não havia sequer tempo para por de parte as peles para fazer outra comida para os empregados! Há por aí muita boa gente que o pode confirmar!
Agora sei bem que havia era muitos gulosos e em vez de comer o que deviam, só queriam gulodices! É a vida!
Finalmente, meu caro Senhor Luís Fernandes... não me lembro de Si! É curioso! Na verdade, se calhar o pouco tempo que lá esteve chegou para o tal Senhor "GORDO" que fala, o ter ficado a conhecer muito Bem.


Atenciosamente,
RL

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NOTA DO EDITOR:

Meu caro RL:


Começo por lhe dizer que o senhor não se lembra de mim, mas eu, em contrapartida, lembro-me muito bem de si –penso que não devo estar enganado. E não lhe aponto absolutamente nada. E se tivesse que apontar, seria bem. Sobretudo pela equidistância que mantinha em relação a todos os funcionários. Nessa época, o senhor era mais conhecido na cidade que os próprios patrões. Tenho a certeza do que digo. A sua pose era extraordinária –no bom sentido, acredite que estou a ser sincero. Mas, nesse tempo, era assim mesmo, os encarregados dos estabelecimentos hoteleiros eram os que davam a cara perante todos, os clientes, os empregados e até aos fornecedores. Era assim mesmo. Qualquer café ou restaurante tinha o seu “gerente”.
Agora vou passar às suas afirmações –que raiam a ofensa gratuita, mas isso é lá consigo, a mim não me atinge.
Começo por lhe dizer que tudo o que escrevi é verdade -e note que não ofendi ninguém como senhor parece sugerir.
É natural que o senhor, pertencendo à gerência, comesse bem. Homessa!, mal se assim não fosse. Mas os empregados comiam o que digo no texto, a tal jardineira, com muitas peles de aparas e pouca carne. Mas note que não era exclusivo da “Império”. Na época, na hotelaria, era assim mesmo. Este tipo de ementa era transversal a todos. Havia excepções, como em tudo.
O senhor sabe muito bem que nessa época (1960/1970) nenhum empregado podia comer uma sandes de queijo ou fiambre e muito menos um bolo, como afirma. Fruta, para funcionários? Só se fosse em sonhos.
Sem dúvida que a “comida do pessoal” era feita na mesma cozinha, mas raramente pelo chefe cozinheiro. Habitualmente, era feita pelos “moços”. O senhor sabe bem que era assim.
Todas as pessoas que refere, lembro-me vagamente delas. Quanto ao sumo na mesa do pessoal, o amigo só pode estar a brincar. “Um sumo”, meu caro senhor, era uma coisa sagrada. Só para clientes.
Quanto ao mandar almoço para familiares de empregados, isso não sei, mas também não me cabe desmentir.
Só para avivar a sua memória, posso afirmar que nessa época todas as casas que servissem refeições ao público –de faca e garfo- eram, por lei, obrigadas a dar comer ao pessoal. Por exemplo um pequeno café, que só servia sandes, tostas, cachorros e bifanas, não estava obrigado a dar comer aos funcionários.
É evidente que, como refere, ninguém lhe dizia que passava fome. O senhor, por acaso, acha que havia liberdade para emitir um simples queixume? É lógico que só quando nós passamos para o outro lado é que sentimos. Como o senhor, aparentemente, esteve sempre do lado da gerência, é incontestável que não conhecia o referente aos trabalhadores.
Havia de facto muita carne e peixe, mas eram para os clientes. Jamais para o pessoal. Meu caro senhor, limitei-me a escrever o que senti. Contrariamente ao senhor, não estou a defender nem a atacar gratuitamente a velha Império.
Desafio-o a arranjar pessoas que confirmem o que o senhor afirma. Fico à sua espera.
“Gulosos” sempre houve é evidente, mas não confunda as coisas. No caso era a necessidade, e o senhor sabe muito bem do que falo. Só precisa de manter a mesma equidistância que tinha na época. Não vale a pena pintar a manta de outras cores, apenas para defendermos um determinado ponto de vista. História é história, amigo. Faz-se com coisas boas e más. Não podemos é tentar apagar o que de mal fizemos ou aconteceu –refiro-me à minha pessoa.
Finalmente meu caro RL, “o tal senhor gordo” de que fala, no texto tratei-o por nome: chamava-se senhor Martinho –volte a ler o que escrevi com o máximo de respeito. Mais ainda: não foi este senhor que me ficou a “conhecer muito bem” como maliciosamente termina o seu post, fui eu que, ao fim de dois meses me fui embora. Por acaso, muito graças à Aurora -creio ser assim que se chamava. Foi ela que, vendo a minha pobreza, me deu dois casacos brancos para eu ir para a Figueira da Foz, servir à mesa, durante a época de verão. Nunca lhe paguei esse gesto. Parece que estou a vê-la, baixa, anafada e faces rosadas. Tenho alguma dificuldade em recordar os nomes, mas creio que a Celeste era uma senhora magra, de cabelo curto e rosto endurecido, de pouca abertura ao riso.
 Fez bem em responder. Ainda que pense que se excedeu, não lhe levo a mal. Só pelo prazer de me voltar a lembrar esses tempos, que não me envergonho de os ter passado, fico-lhe grato. Quando quiser pode voltar. A porta está aberta.

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