sábado, 10 de janeiro de 2009

VER CINEMA POR UM CANUDO




“AUTORIDADE DA CONCORRÊNCIA SUSPENDE PROGRAMA DA ZON DE BILHETES DE CINEMA GRÁTIS”

Segundo o PÚBLICO de quarta-feira, 7 de Janeiro, “O programa Cinemas Lusomundo, que oferece um bilhete de cinema por semana a um milhão de assinantes da ZON TV Cabo detentores do cartão myZONcard, está suspenso por 90 dias. A Autoridade da Concorrência (AdC) identificou um “elevado risco de efeitos anticoncorrenciais negativos” no programa, que envolve duas empresas da ZON Multimédia, e instaurou à empresa um processo contra-ordenacional, ao abrigo da Lei da Concorrência”.
Continuando a citar o diário, (…) A ZON TV Cabo considera a decisão “injustificada e lesiva dos interesses dos consumidores” e vai recorrer da decisão do regulador junto do Tribunal de Comércio de Lisboa, estando mesmo em hipótese uma acção judicial, soube o PÚBLICO”.
“A decisão da AdC surge na sequência de uma queixa da Medeia Filmes (20 salas de cinema), com o apoio da UCI Cinemas (45 salas), que foi ouvida pelo regulador, e da Socorama/Castelo Lopes Cinemas (96 salas). Em causa estão 52 bilhetes grátis por ano, nas mais de 200 salas Lusomundo de oito distritos, para cada detentor do cartão myZONcard, lançado em Dezembro e entregue a clientes da ZON TV Cabo há mais de um ano”.
“A queixa à AdC foi apresentada em Dezembro para “alertar para uma situação que acabava com a exibição cinematográfica em Portugal”, disse Paulo Branco ao PÚBLICO, reclamando espaço para a “diversidade” e reiterando que o programa poderia levar ao encerramento das salas que não pertencem à Lusomundo. Com a medida seriam “introduzidos no mercado 40 milhões de bilhetes gratuitos potenciais num mercado que já é restrito”. Entre Janeiro e Novembro de 2008, 14 milhões de espectadores viram cinema em Portugal”.
Não sei se já vos aconteceu, perante uma situação, não conseguirem ter uma opinião sobre o assunto que é focado e conseguirem tomar posição a favor ou contra um qualquer dos contendores.
Nos últimos dias, que me lembre, contando com este, é o segundo caso que não consigo formalizar opinião acerca de quem tem razão. Apenas para que não fique omisso, direi que o outro caso é o conflito armado entre Israel e a Palestina. Como não me vou debruçar sobre esta guerra fico apenas com esta declaração de impotência.
Trazendo de novo à colação a oferta de bilhetes pela Lusomundo aos clientes da ZON TV Cabo, vou tentar clarificar o meu espírito e, pé-ante-pé, vou ver se consigo chegar a alguma conclusão.
Só para entender quem é a Lusomundo, e depois de consultar a Wikipédia, ficamos a saber que “é uma holding (Sociedade gestora de participações sociais, por outras palavras, é uma sociedade que detém interesses em várias empresas de ramos variados -em Conglomerado) de comunicação portuguesa pertencente à ZON Multimédia, que detém vários cinemas espalhados pelo território português e é o principal importador de filmes em Portugal.
Com toda a sinceridade do mundo, mesmo não sabendo por onde começar, sei que estamos perante um gigante (Lusomundo) –que faz mais de 60 por cento das receitas de distribuição dos filmes exibidos em Portugal- e um pigmeu (161 salas de cinema independente).
Se me deixar levar pela emoção (irracionalidade) depressa dou razão aos mais fracos, mas não é essa ponderação que procuro. Metaforicamente, se fosse juiz, evidentemente, por exclusão de partes, numa metodologia analítica, eliminando argumentos tóxicos (agora tão em voga), através da circunspecção, chegaria à verdade racional. Eu sei que você não percebeu nada. Nem eu. Estava apenas a divagar.
E, se os houvesse, quais seriam os argumentos tóxicos ou falaciosos? Olhe, por exemplo, invocar que a Lusomundo, enquanto empresa de grande poderio económico, consegue o exclusivo para a exibição das melhores fitas cinematográficas que são projectadas no país e, com esse poder financeiro, impede os pequenos agentes cinematógrafos de aceder aos filmes de estreia em cartaz, contribuindo assim para o seu desaparecimento. Passando a imodéstia, um bom argumento, e até é verdade. É? Não, não é totalmente.
Vamos lá ver se consigo “descalçar esta bota” através de uma refutação credível; mas é assim: a crise do cinema em Portugal e o aviltante e contínuo desaparecimento dos velhos cinemas tradicionais (animatógrafos) das cidades e vilas foram devidos ao “engordar” da Lusomundo? Não. Foram devidos ao aparecimento do vídeo em meados dos anos de 1980. Durante cerca de uma década, progressivamente a sociedade portuguesa deixou de frequentar os cinemas tradicionais e, com esse abandono, levou à quase total erradicação destes monumentos tão importantes na nossa cultura. Lembro-me, em meados da década de 90, de se escrever que o cinema estava em coma e jamais recuperaria perante o vídeo, um invasor cada vez mais ousado, que, tranquilamente se levava para casa e se via comodamente no sofá juntamente com toda a família.
Ora, em minha opinião, honra lhe seja prestada, foi a Lusomundo que, pegando nas pequenas salas “multiplex”, garantindo a sua viabilidade económica, coadjuvadas com a venda de pipocas e refrigerantes da Coca-Cola, ressuscitou um negócio que poucos acreditavam ser possível o seu renascimento e impediu a sua morte anunciada. Hoje é um sucesso e o principal suporte das grandes superfícies comerciais.
Por inerência, creio, foi graças a este rejuvenescimento do cinema, na recuperação do hábito de ir ver um filme fora de casa, que se impediu que mesmo as pequenas empresas independentes desaparecessem totalmente, como é o caso da Castelo Lopes, da UCI Cinemas e da Medeia Filmes de Paulo Branco.
Falo por mim, que gosto muito de cinema e vou regularmente. Felizmente que algumas autarquias têm vindo a adquirir os velhos animatógrafos –como é o caso da Mealhada, que revitalizou o Teatro Messias e adquiriu recentemente os cine-teatros da Pampilhosa e do Luso. Adoro ir ver um qualquer filme a estes velhos cinemas, agora recuperados, que, num ápice, nos transportam para a nossa adolescência. No entanto, o frequentar estas salas não será nunca incompatível com as modernas salas “multiplex”. Quanto muito serão complementares. Mas, a propósito, já assisti, numa destas salas a um bom filme e havia apenas sete espectadores. E, este esvaziamento, deveu-se ao facto de os “faltosos” terem ido para os “multiplex”? Não. Quanto a mim, deveu-se à “incultura” de muitas pessoas pensarem que o cinema é despiciendo. E porquê? Porque não foram habituados a frequentar estes espectáculos, inclusive de teatro.
E o que é que será preciso fazer para criar o hábito nas pessoas? Por exemplo, neste caso, as autarquias oferecerem bilhetes.
Aos poucos, já se vê que me inclino fortemente para a possibilidade da AdC ter deliberado um grande disparate. Que, para além de ser lesa-cultura para o país, no futuro pode vir a contribuir, ainda mais, para o desaparecimento das pequenas companhias independentes.
Além de mais, fica uma pergunta no ar: Pode alguém, juridicamente, mesmo uma Autoridade da Concorrência, impedir uma doação? Duvido. Só os lesados pela gratuitidade do acto, neste caso os accionistas da ZON Multimédia, e os destinatários da oferta que a podem recusar.
Vamos ver de que forma se irá pronunciar o Tribunal de Comércio de Lisboa. Aguardemos os próximos capítulos.

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