sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

ANADIA É UMA LIÇÃO

“Os revolucionários –os de esquerda e os de direita- distinguem-se dos reformistas por pensarem que têm uma missão de transformar o mundo mesmo contra a vontade dos homens e por saberem invariavelmente destruir as suas referências. Já os reformistas, os que acreditam que é possível melhorar as condições de vida da humanidade e dos homens, que devem partir do mundo que existe e respeitar as suas referências, mesmo quando desejam que elas evoluam” –extracto de um Editorial de José Manuel Fernandes, in Público, de 13 de Novembro de 2007.
Pegando nesta dicotomia, na divisão entre revolucionários e reformistas, e trazendo à colação o fecho das urgências no todo nacional, mais propriamente as do hospital de Anadia, que, concretamente, aqui me debruçarei, analisando a ortodoxia doutrinária destes dois grupos, estaremos perante uma medida do governo revolucionária ou reformista? Segundo as intensas declarações de Sócrates e o ex-ministro Correia de Campos, tratou-se de uma medida reformista para o bem do povo. Acontece que este mesmo povo não entende assim. Entende estas medidas como revolucionárias, isto é, contra a sua vontade, como um destruir as suas referências –no caso um Serviço Nacional de Saúde, que mesmo, tendo sofrido uma degradação, ao longo das últimas décadas, estando muito aquém do bom, continua a assegurar democraticamente a pobres e remediados um necessário cuidado de saúde em caso de doença súbita. O povo, esta entidade abstracta que, vivendo longe das grandes urbes, cada vez mais, na sua essência, se considera agredido nas suas milenares tradições, abandonado e desprotegido, como uma casta inferior que, nos direitos, está cada vez mais separado do citadino. Logicamente, o que vê neste obsessivo comportamento do poder público é sobretudo um alcance economicista e um autismo despropositado. Um abuso de poder, um autoritarismo, uma intolerância impertinente, paradigma da cegueira dos movimentos revolucionários.
Sabendo todos que a unicidade em torno de manifestações está em crise há muitos anos. Sabe-se que o desenvolvimento e o bem-estar é inimigo da reivindicação colectiva. À medida que a sociedade aumenta o bom viver para melhor, proporcionalmente, apresenta-se o inverso na exigência, no movimento sindical, na manifestação de rua. Não é por acaso que na Alemanha existem firmas especializadas em contratar manifestantes, sendo remunerados como uma prestação de serviço. E é aqui, neste ponto, que Anadia, na pessoa do seu presidente da Câmara, Litério Marques, e também José Paixão, líder do movimento Unidos pela Saúde, mostra ser uma lição não só para a região da Bairrada, mas também para Portugal inteiro. Conseguir retirar as pessoas do sofá, uni-las em torno do interesse colectivo nas diversas manifestações públicas e mais: motivar cinco centenas de pessoas para ir reclamar os seus legítimos direitos a Lisboa e, ainda para mais, à semana não é fácil.
Para o bem de todos e essencialmente para todo o povo bairradino, no caso das urgências, meia vitória foi conseguida. Com a mesma tenacidade conseguirão o pleno.
Curiosamente, também, depois de Litério Marques chamar a atenção para o radicalismo de algumas directivas emanadas de Bruxelas, e executadas pela ASAE, nomeadamente em relação às pequenas suiniculturas existentes nos concelhos da Mealhada e Anadia, que punham em perigo o Leitão, prato gastronómico de excelência, eis que é anunciado que o PS cria um grupo de trabalho para salvaguardar os produtos típicos, proposto por deputados do seu grupo parlamentar que integram a Comissão de Assuntos Económicos da Assembleia da República.
Pode ser que este “reformismo-revolucionário-jacobino” do governo acalme e, paulatinamente, seja o motor do desenvolvimento, mas sem esquecer que uma nação é constituída por um todo, pelo interior e litoral, por grandes e pequenos empresários, por ricos e pobres.
Estou certo que este exemplo de Anadia pode chamar a atenção para as políticas neoliberais em que o Estado se desonera da sua função reguladora e se entrega cada vez mais a um economicismo endémico e abandona os sectores económicos à lei da selva.

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