terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

UM AMOR PROJECTADO

“Mais uma vez o homem olha para mim. Bolas! Porque insistirá o velhote em olhar, para mim, daquele jeito? Será que nunca viu uma mulher?
Entrei recentemente nos “entas”. Anatomicamente, sei que sou uma quarentona agradável de ser vista, por fora e imaginada por dentro das minhas roupas, por um qualquer homem. Sou bonita, e o que mais me salienta é que tenho uma espécie de áurea de mistério. Uma espécie de Ponte de Madison County –lembram-se? Isso mesmo! Aquele filme realizado por Clint Eastewood, com Jeff Bridges e a espectacular Meril Streep, em que os dois filhos, ao vasculharem as coisas da mãe, recentemente falecida, encontram um diário, de um romance intenso, vivido pela progenitora. Já estão a ver qual é não estão? Aliás, confesso, gosto imenso deste filme. Identifico-me com ele. Ou melhor: creio que todos nós. Todos temos um lado oculto, que só nós mesmos conhecemos.
Modéstia à parte, sei que facilmente poderei ser a intérprete de um sonho erótico de qualquer bicho careta com calças e com apêndice saliente. Mas mesmo assim, porque será que sempre que venho ao café, umas vezes sozinha, outras vezes na companhia dos meus filhos, o homem me olha daquela maneira? Não é um olhar igual aos outros. É daqueles olhares que nos trespassam, que parecem despir-nos de roupa, de preconceitos, fazem-nos sonhar, entram-nos na alma. No princípio estranhamos, incomoda-nos. Apetece-nos esbofetear o atrevido. Depois, aos poucos, entranhamos aquele olhar sedutor, carregado de desejo, ou outra coisa que não consigo explicar racionalmente, e não conseguimos viver sem ele. Um dia, inevitavelmente, vai desaparecer e nós, como desamparadas, sentimo-nos órfãs, e então, curiosamente, passamos a procurar, noutro qualquer homem, incessantemente, esse olhar perdido. Qualquer mulher sabe do que falo. Mas este homem, ao fixar-me assim, não é só desejo que intuo naqueles olhos. Quando me vê, ele transforma-se. Sinto que sou o “seu” sol, o calor e a luz que ilumina a sua alma. Que estranho mistério carregará esta pessoa? Gostava de saber. Às vezes ponho-me a imaginar o que teria sido a sua vida. O ser humano é tão interessantemente estranho. Somos uma fachada ambulante. Carregamos uma máscara, ou várias, para cada situação. Atrás dessa máscara social está sempre um drama ou um mistério. Eu sei do que falo. Também tenho o meu. Chamo-me Helena. Prazer! Só pela minha denominação já vêem que, metaforicamente, provenho da mitologia grega. Sou filha de Zeus. No meu tempo, na Grécia antiga, possuía a reputação de mulher mais bela do mundo. Sempre tive muitos pretendentes, entre eles, muitos dos maiores heróis como Ulisses, por exemplo. Posso-vos dizer que cheguei a ser raptada e, no resgate, desencadeei uma guerra.
Por isso ou por outra coisa qualquer, após o meu nascimento, nos anos 60, tive uma infância marcante. Não entrarei em pormenores, mas foi cheia de episódios determinantes –sobretudo um, que por mais que faça por esquecer não apago da memória-, que para o bem e para o mal haveriam de consolidar, em mim, uma personalidade vincada. Querem saber como sou, estou mesmo a ver. Está bem! Vou levantar a ponta do véu. Sou divorciada há cerca de dois anos. O meu “ex” maltratava-me. Foi o culminar de uma relação tempestuosa. Às vezes perguntava-me o que o levava a “embirrar” comigo, mas estou convencida que nem ele sabia o porquê dessa embirração. Era como se eu o irritasse profundamente. Creio que tinha inveja de mim. Ainda não vos disse mas sou muito culta. A vida ensinou-me de que o saber é poder –contrariamente a ele, que se enterrava no vício e pouco se importava com a cultura. Adoro filosofia. Gosto de Kant. Mas sou prolixa na minha leitura, vou de Kafka a Miguel Sousa Tavares. Também escrevo. E modéstia à parte escrevo muito bem. A escrita é a minha fuga. Nas minhas metáforas chego a perder a noção da realidade. Tão depressa posso ser uma meretriz a servir num bordel de Madrid –gosto de escrever com uma elevada carga erótica- como uma dama pura e casta. O que escrevo é só para eu ler. Ainda tentei escrever num site, na Internet, mas sentia-me despida, como se estivesse a partilhar algo íntimo e só meu. Sempre tentei escrever bem. Sou uma perfeccionista. Tudo o que faço tem de ser bem feito. É como se a minha exegese fosse imanente. A minha profissão também assim o exige. Tenho de ser um exemplo no meu trabalho. Os meus discípulos assim o arrogam. Sou muito competente e simpática. Como sou muito inteligente, aprendi a “utilizar” a simpatia como arma. Faço dela uma máscara constante e manipulo quem eu quiser. Então os homens…meu Deus! Pobres desgraçados! Até se sentem intimidados. Dizem que “tenho uma luz natural”, imanente, que sai de dentro da minha alma. Que parece um candeeiro aceso numa noite escura como breu. A verdade é que atraio as pessoas. Às vezes pareço um íman. Quem me rodeia, “colam-se” a mim como se eu fosse feita de grude. Sei que estão a pensar que só estou a mostrar coisas boas, mas também tenho tristeza e muita solidão. Sobretudo quando “desligo” do meu trabalho. É como se “reencarnasse” numa outra personagem frágil. É como se, ao chegar a casa, despisse a máscara social e ali estou eu, nua e crua. É então que me “refugio” na minha escrita, na leitura, no cinema. Vou muito ao cinema. Ainda não disse pois não? Também gosto muito de arte. Sou muito sensível. Se calhar sou sensitiva…
Ah…esqueci-me do homem do café, aquele que vive obcecado por mim. Provavelmente serei um antigo amor projectado. Talvez ele visse em mim uma antiga namorada sua. Quem sabe?”

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