segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

A BIZARRIA DO BASTONÁRIO

No último “Expresso” de 02 de Fevereiro, Fernando Madrinha, em apontamento sobre o Bastonário dos Advogados, com o título “Marinho, o Provocador”, a determinado ponto diz o seguinte: “Isto de os advogados, enquanto classe profissional, aparecerem a pretender liderar o discurso contra a corrupção é um tanto bizarro. E só se explica porque quem ganhou as eleições para bastonário não foi exactamente o causídico Marinho Pinto, mas António Marinho, o comentador de Justiça na TV (…)”.
Partindo desta análise, e do adjectivo “bizarria”, podemos especular um pouco, indo mesmo em sentido contrário, acerca do pensamento do colunista do semanário “Expresso”. Comecemos por dissecar, no dicionário, “bizarria”: “acção de quem é bizarro –excêntrico, gentil, generoso, nobre, valente, arrogante, fanfarrão- fanfarronice, bazófia, bravata, ostentação, vaidade, bravura, valentia”. Ora, começando por aqui, verificamos que ao bastonário, por aquilo que conhecemos dele, qualquer um destes sinónimos se lhe pode colar, e tão bem lhe assenta, como um chapéu ficaria bem, em qualquer “toilette”, a uma dama na “belle Époque”.
Mas, mesmo assim, não é esta “bizarria” que pretendo dar enfoque. O que aspiro é conjecturar até que ponto pode um advogado, enquanto chefe de classe, denunciar ou bater-se pela erradicação da corrupção ou outra disfunção da vida em sociedade. Apenas e só, repito, como comandante de classe, porque, isoladamente, isso tenho a certeza, deve ser um defensor dos oprimidos e dos abusados pelo poder fáctico. Pode parecer algo contraditório, admito, mas vou tentar explicar o meu ponto de vista.
Sem entrar em princípios constitucionais, para já, não será verdade que por detrás de um grande corrupto, inevitavelmente -também por princípios doutrinários do direito à defesa- estará sempre um ou mais advogados?
Ora, continuando nesta linha de pensamento, no programa eleitoral do bastonário, este, defendia a limitação de dezenas de cursos de Direito em todo o país para uma escassa meia dúzia. Argumentava que os milhares de (novos) advogados, entrados no mercado de trabalho, vivem perto da indigência, “pour cause” de uma concorrência feroz na classe. Sobretudo porque as grandes causas eram sempre defendidas pelos mesmos escritórios de grandes advogados. Ou seja, por um lado, considerava que o rácio per capita de advogados versos cidadão estava muito acima da média europeia, por outro, em silogismo, podemos considerar que era sua convicção haver pouco trabalho para tantos patronos. Que a ser assim nem para ser advogado do diabo interessa. Os diabos são poucos para tantos patrocinadores de defesa.
Continuando a especular, assim sendo, o bastonário “passou-se”? Tanto clamou contra a desjudicialização –conjunto de actos, encetados pelo Estado, dentro da filosofia “simplex”, que visam esvaziar os tribunais de pequenos conflitos. A seu ver, embora não o referisse assim, esta não intervenção de advogados prejudicava a defesa e o bom patrocínio. Prometeu também à classe que advogaria um futuro mundo melhor, como quem diz, com litigância que chegasse e fosse distribuída harmoniosamente por todos. Agora, depois de eleito como bastonário, de megafone em punho, apela ao governo que ponha cobro à corrupção. Mas, desculpe perguntar só para ver se entendi, o bastonário quer um mundo melhor para todos, sem conflitos corruptivos, e como Mahatma Gandi –que também era advogado- bate-se por uma sociedade menos violenta, mais justa, onde os pleitos serão cada vez menores, ou quer ser o salvador da classe? É que, ainda que não pareça, são pretensões antagónicas. E das duas uma: ou se vira para a sua classe causídica ou para o “nosso” mundo violento, corrupto e litigante. Assim, a continuar, se não se definir, corre o risco de não ser tomado a sério pela sociedade portuguesa, que, atentando que os seus óculos não são de forma arredondada igual ao grande pensador pacifista, verá nele apenas um pregador, um vendilhão do templo, nem pelos seus congéneres, que vendo que o homem que elegeram bate-se contra os seus interesses de classe. E, sem “habeas corpus” que lhe valha, sem julgamento justo, porque não será defendido por nenhum colega, será imolado no fogo sagrado da excentricidade.

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