sábado, 1 de dezembro de 2007

O MITO E A UTOPIA DOS ALMOÇOS GRÁTIS

Passados 21 anos depois da adesão de Portugal à então CEE, hoje Comunidade Europeia, começam a vislumbrar-se alguns custos da modernidade. Evidentemente que, como em tudo, é inevitável a ponderação entre custos e proveitos. Como resultado de uma adição de variáveis, a média desta incursão num projecto europeu à partida utópico –Tratado de Roma de 1957- é, pelo menos por agora, ainda, positivo, embora comecem a surgir dúvidas. À custa desta adesão, em 1986, a partir daí, pelo menos até 2000, atingimos um patamar notável de bem-estar, um índice de desenvolvimento nunca antes alcançado: uma maior esperança de vida à nascença e mais longa longevidade, uma maior taxa de alfabetização e de escolarização (93,8% dos adultos sabe ler e escrever) e um PIB (Produto Interno Bruto) dentro da média dos restantes países da Comunidade.
O problema é que o que antes foi alcançado e foi sentido e vivido no nosso contentamento, hoje assistimos ao regredir dessas conquistas económicas. Como um reverso da medalha, como se estivéssemos apagar com juros elevados esse patamar alcançado. Então, num exercício de retórica, perguntamos: de quem foi a culpa? Dos nossos políticos que dentro duma certa ingenuidade, sem visão estratégica de futuro, inebriados pelos milhões, não souberam alertar de que tudo é pago e não existem almoços grátis, ou, pelo contrário, esta adesão, sendo um contrato de interesses, não será mais do que um negócio bem engendrado e altamente lucrativo para os países mais ricos? Seria então uma falácia, um sofisma com intenção de enganar ou, pelo contrário, um paralogismo, em que não havia intenção predefinida e os nossos (maus) resultados de hoje são resultado de factores e variáveis endógenas, alheias à doutrina comunitária que lhe serviu de base?
Reportemo-nos à década de oitenta, ao Portugal subdesenvolvido, em que o sector primário (agricultura, pescas, recursos florestais, etc.) ocupava mais de metade da população portuguesa. Pouco mecanizada e sobretudo braçal, em que o factor trabalho era aplicado em detrimento do factor capital, sendo, em rentabilidade, pouco competitiva com o exterior. Sem esquecermos um período conturbado e quente, com a tomada de terras, a chamada Reforma Agrária, a verdade era que o país, na alimentação, era auto-sustentável nos bens que produzia, desde o azeite ao sal.
Com a assinatura do Tratado, em 1986, foi aplicado o chamado teorema das vantagens comparativas –cada país deve apenas produzir os bens que lhe são mais favoráveis, em custos de produção, e, portanto, de menor custo final; o que lhe permite vender a outros que produzam os mesmos bens com custos mais elevados. É assim, à luz desta filosofia económica, que entendemos os subsídios recebidos para aposentar, na altura, muitos agricultores, com o ónus acrescido do arranque de várias espécies arvorarias, entre elas a videira, a oliveira e o começo do abandono da terra e a desertificação do interior do país; bem como o abate da nossa frota pesqueira, arrastando consigo a construção naval, e subsequente reforma de muitos homens do mar.
Com a abertura à economia de mercado a nossa indústria (sector secundário), sobretudo pesada, ficou também à mercê dos outros países mais desenvolvidos e, por isso mesmo, impossível para nós competir com um nível mais industrializado, onde o factor capital era preponderante em máquinas, e, onde os custos dos factores de produção eram menores, e, por isso, com produtos iguais aos nossos mas mais baratos. Nem mesmo os milhões recebidos para modernizar este sector evitou a sua quase completa capitulação. Por inépcia ou por externalidades, entre elas a mão-de-obra barata da China, a verdade é que a consequência foi a falência e o encerramento de várias fábricas e envio de muitos milhares de operários para o desemprego.
Com o comércio (sector terciário), o mesmo choque económico: tínhamos um comércio conservador, disperso, ainda que concentrado nos centros das cidades, assente quase exclusivamente numa estrutura familiar, onde a pequeníssima empresa era preponderante, e sem ligações entre si. A filosofia económica vigente, reflectida, num comerciante quase iletrado e feito empiricamente à força do subir a corda a pulso, onde prevalecia o trato pessoal, assente numa clientela geracional e fidedigna, era vender o máximo ao maior preço possível. O lucro não assentava em rácios médios, não estava dependente da quantidade vendida, incidia individualmente no bem alienado.
Com a década de 90, vieram as grandes superfícies. Com uma nova filosofia comercial, neoliberal, arrojada, desprovida de conceitos morais para a concorrência –arrasar para reinar- quase paradoxal ao comércio de rua, concentraccionista e, por isso, com maior racionalidade de custos operacionais, o seu lema era vender o máximo ao menor preço possível, mesmo até praticando “dumping”, vendendo com prejuízo, tendo apenas em conta o rácio médio anual de lucro. Pondo em prática uma nova ciência comercial; criando, no cliente, a ilusão de uma liberdade plena em adquirir os produtos, projectando-o como peão dentro da superfície comercial, onde os seus passos eram estudados ao milímetro, fazendo desta um labirinto, sem que aquele nunca se aperceba que está a ser usado como marioneta e a fazer exactamente aquilo que foi anteriormente programado ao pormenor pelo operador. Aplicando subterfúgios discutíveis do ponto de vista ético, num jogo de espelhos onde ressalta o interesse, levam o consumidor a adquirir produtos considerados por este anteriormente desnecessários. Inevitavelmente, também neste sector, várias pessoas são obrigadas a mudarem de vida e outros reformados compulsivamente à força das circunstâncias.
Como ponto de balanço circunstancial, até à adesão de Portugal à Comunidade Europeia, é notório o profundo atraso na modernização destes três sectores. Entre prós e contras, salienta-se o quanto foi importante a entrada para o clube dos 12, em 1986, para o desenvolvimento destas actividades económicas.
Como elementos positivos comuns nesta época e indirectamente ligados no aperfeiçoamento destes três sectores, deveremos considerar: o embaratecimento dos produtos, tornando-os mais acessíveis a um maior universo de consumidores, a democratização do consumo; a democratização do ensino superior; O crescimento económico do país; universalidade dos cuidados de saúde e o elevado poder aquisitivo das famílias.
Como elementos negativos comuns, consideraria o abandono da terra e das pescas como extremamente deficitários para o país, colocando-nos, economicamente, à mercê do exterior e com o continuado aumento do défice da Balança de Pagamentos; o elevado número de pessoas empurradas para a aposentação; o aumento desvairado do desemprego; diminuição de impostos sobre o trabalho, recebidos pelo Estado, por força de aposentações forçadas, de desemprego e de falências de agentes económicos; aumento brutal da Despesa Pública, não só com estes encargos, como também com a criação do Rendimento Mínimo Garantido, dado, em forma de subsídio, sem contrapartidas obrigacionais.
Em consequência, no continuado aumento do défice, conclui-se o fim inevitável do Estado-Providência, a cessação deste modelo social; inicia-se a morte anunciada do Serviço Nacional de Saúde e da Segurança Social e a privatização de quase todos os serviços do Estado. Aumento brutal de impostos.
Começo de uma nova era “Sul-americanizada”, desconhecida e de custos imprevisível para nós no futuro, ou o pagamento de juros sobre juros sobre um desenvolvimento anunciado como mensagem messiânica, prometido pela Comunidade Europeia a Portugal e que poderá vir a tornar-se num logro?

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