(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)
Começo
com uma ressalva: nos últimos vinte anos, pelo menos, já escrevi centenas, senão mais de mil, textos sobre o comércio
tradicional. Numa tentativa vã para alertar a montante, à classe
política, e a jusante, aos operadores, qual foi o resultado deste
meu esforço? Quase zero. Sejam lá quem forem os políticos da terra
e a que partido pertencerem, à esquerda ou à direita, os procedimentos são iguais: a displicência e o ostracismo.
Por
parte dos comerciantes, quando escrevo sobre o declínio acentuado,
físico, psicológico e financeiro, dos mercadores, para além de
algumas indirectas, sinto que preferem o silêncio no afundamento
sem ondas do que alguém, como eu, conte as suas frustrações
projectadas em lágrimas de sangue que cada um vive atrás do balcão.
A soma de todas as premissas é cada um, no anonimato a que se
submete, morrer na paz celestial dos anjos. É habitual sabermos
apenas do desaparecimento de um qualquer negócio no dia em que
constatamos que os vidros das montras estão encobertas por jornais.
Se cada um entendesse que saindo da sua pobreza envergonhada, do seu
estado letárgico, se falasse da sua dificuldade com outros, seria
uma forma de criar defesas e anticorpos contra o genocídio que se
verifica na Baixa, poderia ser uma forma de perspectivar o futuro e
mudar o curso da história. Mas não é assim, quando se conjectura é
sempre para acusar o vizinho, como se o confinante, que vive e
convive com as mesmas dificuldades, fosse o culpado da tragédia que
se abateu na classe.
De
tal modo é desanimador o cenário que no final do ano passado, em
balanço geral de várias décadas a denunciar, dei por mim a
concluir que não iria escrever mais textos sobre aberturas e,
sobretudo, encerramentos comerciais no Centro Histórico. Não vale a pena continuar a malhar em ferro frio. Só faz sentido continuar a redigir sobre um tema se sentirmos que a matéria constitui
interesse geral. Não sendo assim, não vendo reconhecimento, mesmo sabendo que a Baixa está num limbo, será
uma declarada perda de tempo.
Apesar
do meu comprometimento pessoal, hoje não resisti voltar ao implícito
tabu. E porquê? Porque esta semana encerraram duas sapatarias: uma
na Rua das Padeiras e outra na Rua da Louça.
Valerá a pena voltar a relembrar que o assunto é demasiado grave para fazer de conta que não se passa nada?
Valerá a pena voltar a relembrar que o assunto é demasiado grave para fazer de conta que não se passa nada?
Sem comentários:
Enviar um comentário