quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

EDITORIAL: QUO VADIS COMÉRCIO LOCAL?

(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)






Começo com uma ressalva: nos últimos vinte anos, pelo menos, já escrevi centenas, senão mais de mil, textos sobre o comércio tradicional. Numa tentativa vã para alertar a montante, à classe política, e a jusante, aos operadores, qual foi o resultado deste meu esforço? Quase zero. Sejam lá quem forem os políticos da terra e a que partido pertencerem, à esquerda ou à direita, os procedimentos são iguais: a displicência e o ostracismo.
Por parte dos comerciantes, quando escrevo sobre o declínio acentuado, físico, psicológico e financeiro, dos mercadores, para além de algumas indirectas, sinto que preferem o silêncio no afundamento sem ondas do que alguém, como eu, conte as suas frustrações projectadas em lágrimas de sangue que cada um vive atrás do balcão. A soma de todas as premissas é cada um, no anonimato a que se submete, morrer na paz celestial dos anjos. É habitual sabermos apenas do desaparecimento de um qualquer negócio no dia em que constatamos que os vidros das montras estão encobertas por jornais. Se cada um entendesse que saindo da sua pobreza envergonhada, do seu estado letárgico, se falasse da sua dificuldade com outros, seria uma forma de criar defesas e anticorpos contra o genocídio que se verifica na Baixa, poderia ser uma forma de perspectivar o futuro e mudar o curso da história. Mas não é assim, quando se conjectura é sempre para acusar o vizinho, como se o confinante, que vive e convive com as mesmas dificuldades, fosse o culpado da tragédia que se abateu na classe.
De tal modo é desanimador o cenário que no final do ano passado, em balanço geral de várias décadas a denunciar, dei por mim a concluir que não iria escrever mais textos sobre aberturas e, sobretudo, encerramentos comerciais no Centro Histórico. Não vale a pena continuar a malhar em ferro frio. Só faz sentido continuar a redigir sobre um tema se sentirmos que a matéria constitui interesse geral. Não sendo assim, não vendo reconhecimento, mesmo sabendo que a Baixa está num limbo, será uma declarada perda de tempo.
Apesar do meu comprometimento pessoal, hoje não resisti voltar ao implícito tabu. E porquê? Porque esta semana encerraram duas sapatarias: uma na Rua das Padeiras e outra na Rua da Louça.
Valerá a pena voltar a relembrar que o assunto é demasiado grave para fazer de conta que não se passa nada?

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