terça-feira, 12 de abril de 2011

CONVERSA DE RUA





Conversavam na Rua do Corvo, junto à Lancelote,
dois homens e duas mulheres, passeavam na calçada,
tinham porte de executivo, pareciam usar laçarote,
uma delas, de pasta, via as montras, talvez advogada,
olhava tudo em redor como raio de luz em holofote,
como criança aprecia o seu primeiro triciclo encantada,
proclama então, em oração, ao grupo, como sacerdote,
“há tanto tempo que não venho à Baixa, estou extasiada,
tantas montras lindas, olhe aqui este vestido, bisbilhote,
veja bem, o que temos perdido, talvez mal aconselhada,
nem sei se pela publicidade, talvez costume de caixote,
esta zona antiga da cidade é tão linda, é adiamantada,
vou voltar mais vezes, tenho de deixar de ser Quixote,
somos nós; todos temos culpa em não ser afreguesada”,
diz um homem, gesticulando, com sorriso malandrote,
“gostas de tudo o que é velho, és mesmo aficionada,
ainda bem que tenho cabelos brancos, estou entradote,
olha se fosse novo, não me olharias, ficarias aliviada,
que bom gostares da Baixa, até me sinto bem, velhote”,
diz outro, “li no jornal que discutem por estar acomodada,
um rapaz convocou os comerciantes para dar o mote,
ninguém desata, aceitaram que estava amaldiçoada,
pode ser agora, que o Barbosa o mau-olhado enxote,
tem um filha cantora lírica, sabias? É bonita, engraçada,
mais linda que o pai; gosto da Leonor, por ela seria filhote;
chamar-lhe-ia “paizinho” até ao resto dos meus dias,
iria a Fátima a pé todos os anos até à minha morte.”

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