terça-feira, 29 de abril de 2008

UM COMÉRCIO INADAPTADO

Ontem, dia 28 de Abril, na “Antena Aberta”, programa da tarde da RTP, o lema era “Deve o comércio estar aberto ao Domingo todo o dia?”. Quem comentava o referido programa era um funcionário, ou avençado, da casa e nosso conhecido do pequeno ecrã: Camilo Lourenço.
Uma das primeiras pessoas, telespectadora, a intervir, lamentou a crise do pequeno comércio e que, neste momento, estar à frente dum estabelecimento era desesperante, e que muitas lojas no seu bairro têm encerrado. Resposta do comentador: “E, graças a Deus, que têm fechado algumas lojas no comércio tradicional. Ainda bem!”.
A seguir outra comerciante, presumi que o fosse, lamentava a forma estóica que era estar hoje a viver do comércio. Que este mal dava para as despesas. Resposta do comentador: “Se não é rentável fechem as portas”.
Mais à frente outra telespectadora vangloriava a facilidade de acesso, o melhor preço das grandes superfícies e que pouco se importava que estivesse a contribuir para a riqueza destes e empobrecimento do pequeno comércio de rua. O que lhe interessava era unicamente o preço o resto não era com ela. Resposta do comentador Camilo Lourenço: “A riqueza deve ir para quem der melhor produto e melhor preço!”.
A primeira questão que ponho é até que ponto um comentador da RTP, sendo economista, pago por todos nós, pode ser tão curto de vistas? É certo que ele, enquanto crítico de análise, é um “opinador” em toda a sua legítima subjectividade. Mas, também é certo que, implicitamente, pelo bom-senso, esperamos que estas pessoas tenham uma visão alargada de toda a economia, em todas as possíveis variáveis, e, naturalmente, das suas possíveis consequências.
Já das imensas pessoas anónimas que acham que o futuro reside apenas e só nas grandes superfícies, e que o comércio tradicional não faz falta nenhuma, a essas não se lhes pode exigir mais do que isso. Tudo o que vêem é apenas o comprimento do seu interesse imediato. Não se lhes pode pedir que vejam, no comércio, as funções, social, de segurança, cultural e incentivador da reabitação e convivência humana dos centros históricos. Mas ao dito comentador devemos-lhe pedir isso. Ele está obrigado pelas funções que desempenha. Ele deveria saber que, ainda há pouco, foi emanada uma directiva de Bruxelas para o Estado português, em que se recomendava a análise relacional entre o grande comércio e os pequenos produtores nacionais. Considerava a Comunidade Europeia que as grandes superfícies escravizam e contribuem para o desaparecimento dos pequenos produtores.
A questão que se põe hoje é saber se o comércio de rua faz ou não falta às cidades. Se não faz, acabe-se de vez com a loja de rua. Entregue-se as cidades ao abandono e a ninguém. Faça-se um estudo económico entre custos e proveitos, e veja-se se custa menos ao Estado, intervindo como regulador, manter as lojas abertas ou encerrá-las, mandando para o desemprego milhares de pessoas e pagar-lhes o Rendimento de Inserção Social. Se é mais rentável mantê-las abertas, nesse caso, dê-se-lhes condições de sobrevivência. Por exemplo, isente-se todas as pequenas empresas de impostos directos e indirectos, cujo rendimento ilíquido não ultrapasse os cento e cinquenta mil euros. Só assim é possível manter algumas empresas a laborar em vários ramos, nas cidades e aldeias, e manter alguns empregos.
Esta definição cabe, por dever, ao Estado. Não se pode pedir ao consumidor que faça esta destrinça. O consumidor, hoje, reage como as empresas directamente e proporcionalmente ao seu interesse imediato. O consumidor, tal como as empresas na procura do lucro fácil, deslocalizou-se do comércio de rua para os grandes centros comerciais. Ou seja, se por um lado, temos um Capitalismo selvagem, sem rosto e sem preocupações sociais, por outro, temos, também, um consumidor, macro e micro, frio, insensível, pouco preocupado ou interessado no que possa acontecer amanhã. Mesmo que esta displicência venha a ser paga, através de impostos, por todos nós. Nem pensa, sequer, que o que está a acontecer nos Estados Unidos pode significar o começo da queda do gigante de pés de barro, o capitalismo, tal como o conhecemos.

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