terça-feira, 28 de janeiro de 2014

ROSTOS NOSSOS (DES)CONHECIDOS: O FABULOSO CIDADÃO (2)



 Depois de uma pausa para um café e um bolinho de coco no Mui Chocolate, na Rua da Gala, tão saborosos que até nos deixou assarapantados, vou então prosseguir a minha conversa com o nosso arguto e carismáticoCidadão José Dias”, como se apresenta oficialmente à comunidade coimbrã. Para me poupar, e não vá eu cometer umas calinadas, quem vai desfiar o rol da sua vida, na primeira pessoa, é o próprio. Fala “Cidadão”:
“Lá no teu boteco, contava eu que, em 1965, entrei para o curso de Engenharia Electrotécnica, na Universidade do Porto. Disse-te também que estes cursos estavam alinhados na célebre alínea F –inicial de Fadista, como deves calcular- e que era para onde iam parar todos os futuros Enstein’s –a propósito, Luisinho, sabias que este mais famoso físico teórico alemão foi um grande cábula nos estudos liceais? Não sabias? Pois! É para veres que a teoria da relatividade, desenvolvida por ele, já era antes de o ser.
Prosseguindo, como te disse anteriormente, o meu pai era dirigente da Acção Católica, Rural e Operária. Como era natural, também tive formação religiosa, e era também praticante apostólico-romano. Disse-te também que desde o liceu que era dirigente da JOC, Juventude Operária Católica –claro que os meus pais sabiam. Então, na universidade acontecia uma coisa interessante: eu era o único católico no meio de comunistas –talvez por isso, creio, nunca fui convidado para integrar o partido. Mas o cerco ao meu segredo no seio da família começou a apertar-se. Apesar de não pertencer ao Partido Comunista comecei a receber o Avante, o jornal da foice e martelo. Ora o meu pai, que já deveria andar desconfiado que o filho mais velho era a ovelha negra da prole, foi chamado pelo director da Faculdade, Jaime Rios de Sousa, e confrontado com a verdade nua e crua: o seu filho-varão andava no meio de comunistas. Imagino que, dito assim de chofre, teria sido um choque. Sei lá quantas vezes o meu progenitor teria feito o sinal da cruz. A partir da verdade descoberta, lá em casa, começou o confronto directo e a intimação: “ou mudas de amigos ou mudas de casa!”.
Em 1968 vim para Coimbra. Como era dirigente da Associação Académica e católico, fui acolhido sobre o manto do CADC, Centro Académico da Democracia Cristã, e fui morar para a Rua Antero de Quental, no 83 e em frente ao Quartel General. Vivi intensamente a crise académica de 1969 e em 1970, na pós-crise, fui prevenido pela vice-reitora, Helena da Rocha Pereira, de que a PIDE andava à minha procura. Agarrei na trouxa, fui para Lisboa e matriculei-me no Instituto Superior Técnico, em Engenharia Civil. Aqui passei a integrar o Movimento Católico Progressista. Em 1970, no escritório de Jorge Sampaio, conjuntamente com outros camaradas, fiz parte da criação embrionária do MES –embora, contrariamente à verdade, se afirme que este movimento de militantes do catolicismo progressista só nasceu depois da Revolução dos Cravos. O tempo foi passando e comecei a trabalhar no Ministério da Educação. Em 1973 a PIDE prendeu alguns membros do MES. Um deles, sobre tortura, confessou que o Dias (eu) era o responsável pela distribuição da propaganda e a Polícia Internacional e Defesa do Estado tenta caçar-me. Entrei na clandestinidade e passei a não permanecer muito tempo no mesmo sítio, entre Braga, Porto, Coimbra e Lisboa, e até ao 25 de Abril de 1974. Reunia na clandestinidade com militares como Melo Antunes. Foram eles que, na iminência do golpe militar correr mal, me recomendaram que saísse do país. Fui a salto para Espanha, enquanto a minha mulher foi a Bruxelas arranjar um passaporte falso. Já com o documento, fui para Genebra, onde estavam à minha espera Medeiros Ferreira, o António Barreto e outros, e pedi asilo político às autoridades suíças. Como, felizmente, correu bem a intentona militar, regressei a Portugal. Fui funcionário e dirigente do MES até 1977.
Em 1978 retornei a Braga e fui trabalhar para o Sindicato das Costureiras e Alfaiates –como curiosidade, tinha 12 mil associados, onde só um milhar eram homens filiados- exercendo a função de técnico sindical –fazia formação nas empresas para delegados sindicais. Nesta cidade fui dirigente de vários movimentos cívicos. Em 1982, na cidade dos arcebispos, fui para funcionário da Agência Abreu como técnico de turismo. Em 1996 voltei a Coimbra e fui trabalhar para o INATEL. Para além de técnico de turismo na ex-FNAT –Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho, de 1935 a 1974-, em programas para seniores, fui dirigente da Organização Mundial de Turismo Social. Na cidade dos estudantes integrei vários movimentos cívicos. Na comemoração do 25 de Abril de 2004, juntamente com António Arnaut, Gomes Canotilho, Almeida Santos e outros, fui agraciado com a Ordem da Liberdade pelo então Presidente da República, Jorge Sampaio. Neste mesmo ano fui convidado para seu assessor político. No final do seu mandato, em 2006, fui condecorado com a comenda da Ordem do Infante D. Henrique –a mesma distinção que foi concedida a Ronaldo, o C7, estás a ver? Com duas diferenças, vivo com uma pensão de pouco mais de mil euros e a minha Irina quando olha para mim já só vê um homem cansado. Não achas que já chega, Luisinho? Ai, é verdade, queres que te conte por que comecei a juntar “Cidadão” ao meu nome? Eu conto. Sempre que, em Coimbra, entrava numa livraria, porque me conheciam ou me apresentava como José Dias, era logo tratado por Doutor José Dias. Outras vezes por professor. Tanto fazia eu alertar que não era licenciado como não. Então, por causa das confusões, passei a assinar “Cidadão José Dias”. Queres saber também para onde vou? Continuarei a lutar por uma sociedade mais justa e equilibrada. Vai ser assim até não poder mais. Estás a agradecer-me? Por gentileza, meu bom amigo! Foi um prazer!” –e leva os dois dedos, em gancho, ao boné.

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