segunda-feira, 5 de outubro de 2020

MEALHADA: O “QUID PRO QUO” (TOMAR UMA COISA POR OUTRA)

 

(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)




FACTOS:


Em quarenta e cinco anos de eleições para o poder local (1976-2021), a Câmara Municipal da Mealhada foi “apenas” conquistada duas vezes pelo PSD, em 1979 e 1985 – no primeiro mandato, em coligação com o CDS/PP, Centro Democrático Social, e PPM, Partido Popular Monárquico. Nos restantes 10 mandatos autárquicos o PS ganhou sempre com maioria absoluta.


RESSALVA


Esta crónica, sem ter a veleidade de ser confundida com análise científica, a ter alguma razão para ser escrita, tem somente uma ideia de, ao esmiuçar factos históricos, contribuir para ajudar a clarificar um fenómeno, que certamente não sendo único no país, não deixa de constituir um certo mistério.

E porquê o PSD? Interrogou um membro, leitor, aquando do lançamento tema para discussão no grupo “Mealhadenses que Amam a sua Terra”, no Facebook.

Respondendo objectivamente, adianto que, no oposto, poderia colocar a questão ao contrário e interrogar o porquê de, ao longo de mais de quatro décadas, os Socialistas terem tanto sucesso. Poderia, mas, do ponto de vista jornalístico, ressalta muito mais o insucesso dos Sociais-democratas.

Se no princípio era o verbo, devemos começar pela democracia, pelas primeiras eleições locais para o Executivo, em 1976, para a Assembleia Municipal e para as Juntas de Freguesia, depois do 25 de Abril de 1974.

Por falta de tempo – e se calhar, para o caso, nem é muito importante – vou debruçar-me simplesmente sobre as eleições para a Câmara (executivo).


COMECEMOS, ENTÃO, PELO PRINCÍPIO


Pegando no historial do PS/Mealhada:


Em 1976 o PS local estreou-se logo com uma maioria absoluta.

Em 1979, com o PSD a concorrer em coligação (AD), o PS veria fugir-lhe a vitória para os Sá-Carneiristas. Estes viriam a conseguir a sua primeira maioria absoluta.

Em 1982 o PS recuperaria novamente a liderança com maioria.

Em 1985, com o PS a sair derrotado, o PSD, concorrendo sozinho, recuperaria a maioria absoluta.

Em 1989 o PS recuperaria novamente a edilidade com maioria.

Em 1993, com uns retumbantes 55 por cento, o PS repetiu a façanha.

Em 1997, com cerca de 54 por cento, o PS continuava de pedra e cal no Executivo.

Em 2001, com cerca de 43 por cento, continuava a acenar com o lencinho ao maior partido da oposição.

Em 2005, com cerca de 50 por cento, o partido liderado por José Sócrates continuava de pedra e cal na terra do leitão.

Em 2009, com o PS local a eleger cinco vereadores numa possibilidade de sete, lá longe, Sócrates dava saltos de contente.

2013, com o PSD a concorrer em coligação, o PS viria a obter cerca de 47 por cento e a eleger quatro vereadores contra três da coligação “Juntos Pela Mealhada”.

Em 2017, mais uma vez o PS sairia vencedor com cerca de 48 por cento, elegendo quatro representantes contra três da coligação “Juntos pelo concelho da Mealhada”.


PARTIDOS À ESQUERDA QUEM VOS VÊ NA BANCADA?


Em 1976 começaram por concorrer à Câmara o MRRP e a FEPU, Frente Eleitoral Povo Unido, uma coligação liderada pelo PCP e outras agremiações à sua esquerda. Juntos, sem elegerem representantes, conseguiram cerca de dez por cento do eleitorado.

Em 1979 a APU, Aliança Povo Unido, teve um resultado de cerca de 12 por cento. Elegeu um vereador.

Em1982 a APU, elegendo um representante, obteve um resultado de cerca de dezanove por cento do eleitorado. E o PCPT/MRPP teve menos de meio ponto.

Em 1985 a APU, novamente elegendo um vereador, voltou a obter cerca de dezanove por cento. O MRRPP já não concorreu.

Em 1989 o PCP-PEV (CDU) teve cerca de seis por cento.

Em 1993 o PCP-PEV (CDU) conseguiu cerca de quatro por cento.

O PSN, Partido da Solidariedade Nacional, ligado aos aposentados, viria a contar com 1.75%.

Em 1997 o PCP-PEV (CDU) teve 6.11%.

Em 2001 o PCP-PEV (CDU) conseguiu cerca de quatro por cento.

Como curiosidade, neste ano, um grupo de cidadãos concorreu à Câmara e conseguiu um resultado de cerca de vinte por cento e eleger um vereador.

Em 2005 a CDU teve cerca de oito por cento nas urnas.

Em 2009 a CDU conseguiu cerca de sete por cento.

Em 2013 a CDU teve cerca de oito por cento.

Em 2017 a CDU teve 6.5%, muito atrás do Bloco de Esquerda, que obteve 6.66%.


O CENTRO-DIREITA A SUMIR-SE NO HORIZONTE


Em 1976 o CDS obteve um resultado para a Câmara de 9.22%.

Em 1979 e 1985 concorreu em aliança com o PSD.

Em 1989 o CDS desapareceu em combate.

Em 1983 teve um resultado de 1.83%.

Em 1997 teve 2.68%

Em 2001 desapareceu.

Em 2005 teve 1.22%.

Em 2009 desapareceu nas trevas.

Em 2013 desapareceu nas trovas do vento.

Em 2017 continua-se à procura no concelho onde pára o CDS.


A ABSTENÇÃO COMO FONTE DE REFLEXÃO


Em 1976 a Abstenção foi de 45.36%.

Nos anos seguintes, até 1997, foi descendo para a ordem dos trinta por cento.

Em 1997 foi de cerca de quarenta e três por cento.

Em 2001 foi de cerca de trinta e oito por cento.

Em 2005 a Abstenção foi de cerca de quarenta e dois por cento.

Em 2009 foi de cerca de quarenta e três por cento.

Em 2013 foi de cerca de quarenta e nove por cento.

Em 2017 a Abstenção foi de cerca quarenta e nove por cento.


VOTOS BRANCOS CONTAM?


Em 1976 os eleitores do voto em branco alcançou uma percentagem de 2.47%

Ate 1997 o número de brancos, em queda, manteve-se estável.

Em 1997 a percentagem de brancos foi de 3.12%

Em 2001 foi de 1,95%.

Em 2005 foi de 3.75%.

Em 2009 foi de 2.92%.

Em 2013 foi de 4.41%.

Em 2017 a percentagem de votos brancos foi de 4.19%.


CONCLUSÃO NÃO CONCLUSIVA


Dá para apreender que o concelho da Mealhada, que elege sete vereadores para o executivo, na política não anda bem de saúde. Seguindo o rotativismo entre o PSD e o PS, sendo igual ao que se passa na política executiva nacional mas que dá hipótese a outras forças políticas de respirarem, nas terras mealhadenses os partidos pequenos não conseguem furar o bloqueio e, com esta não-inscrição, contribui fortemente para o seu desaparecimento. Só para exemplificar, basta ver que para além dos dois grandes partidos, PS e PSD, só a APU elegeu um deputado nos anos de 1979, 1982 e 1985. E também o movimento cívico, em 2001, conseguiu eleger um representante.

Ou seja, em quarenta e cinco anos de democracia, só em quatro mandatos partidos fora do arco do poder conseguiram eleger.

E isto é grave? A meu ver, que pouco percebo de política, por distorcer as forças em confronto e impedir alianças à esquerda e à direita, acabando por favorecer o partido mais votado, do ponto de vista da alternância, é gravíssimo.


MAS, E CULPADOS HÁ?


Salvo melhor opinião mais avalizada, o Método de Hondt, fórmula matemática destinada a calcular a distribuição de mandatos proporcionalmente ao número de votos, será porventura o factor maior que está a deteriorar fortemente a diversidade partidária neste concelho.

A seguir vem a abstenção, esse enorme monstro que tanto preocupa os políticos, mas só em tempos de eleições. Depois de eleitos, em quatro anos de mandato, durante três todos a esquecem e convivem alegremente com a falta de comparência de eleitores às urnas. No ano que falta para o sufrágio, como sempre vamos ouvir o apelo ao voto , desde o Presidente da República até ao deputado mais apagado do Parlamento. Nas últimas décadas, nem o maestro máximo da Nação, nem qualquer político com assento numa câmara perdeu tempo a pensar como se ultrapassa o fenómeno da abstenção. Não sabem porque não querem. Vejam o exemplo dos presidentes de junta e aprendam. Estes homens do povo, na maioria simples e sem canudos, estão sempre ao lado de quem os elegeu – claro que há execepções na Mealhada, mas isto também acontece em todo o lado.

Costumo comparar muito a abstenção nas eleições com a crise que alastra na imprensa local. A abstenção não é um fim em si mesmo. É um meio para demonstrar a revolta, o abandono a que foram votadas as populações. A não comparência nas urnas é um subproduto da não ligação existente entre os eleitos e os eleitores, do desprezo, pela altivez e soberba presunçosa com que são tratados os cidadãos.

A imprensa local, de igual modo à política, perdeu a proximidade. Os periódicos, praticamente sem excepção, em vez de escreverem sobre os problemas políticos da sua zona, sem difundirem o que se passa nas ruas da cidade, as dificuldades das povoações em redor, falam de outros concelhos e de notícias distribuídas pelas agências noticiosas. E o mais grave é que estão a contribuir para a iliteracia e o analfabetismo social. Como é que querem, assim, vender jornais?

Como é que os políticos autárquicos, sem passarem cavaco aos munícipes querem captar o seu voto?

Vale a pena pensar nisto?


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