quarta-feira, 21 de novembro de 2007

A OBSESSÃO DO ESTADO PELA NORMALIZAÇÂO

Encontrei o meu amigo num destes Domingos ao comprar o jornal no mesmo Quiosque. Já não o via há uns tempos largos. Somos, sensivelmente, da mesma idade: cerca de 50 anos. Palavra puxa palavra e, inevitavelmente, caímos na malfadada crise económica. Quase sem o querer, relembramos os velhos tempos em que, juntos, íamos fazer uma semana de férias ao Algarve e, nos últimos anos, praticamente, pela necessidade financeira, nem encerrar os estabelecimentos podemos, quanto mais ir para as terras do sul. “Velhos tempos”, exclamamos em uníssono, como barítonos de um coro conhecido.
Achei-o muito apagado, uma estrela sem luz. “O que tens? Não andas bem… para além da subida em crescendo do petróleo, será que a tua tensão arterial também teima em subir?” Interrogo, tentando adivinhar uma depressão iminente.
Ele tem um pequeno café onde trabalha conjuntamente com a sua mulher há muitos anos. É o seu ganha-pão diário. Foi de lá, através do esforço conjunto dos dois, que formaram os dois filhos. Como uma mola contida e que de repente dispara, perante a minha pergunta acerca do seu estado anímico, o seu rosto transformou-se: parecia uma máscara com esgares de granito. Até bufava. Estava indignado, entre um misto de tristeza e revolta. Ao falar revolvia os braços no ar, como tentando atingir os seus invisíveis opressores, ou então para melhor expurgar a fúria que o dominava interiormente. “Não vale a pena continuar, pá! Isto é lutarmos contra forças invisíveis, superiores às nossas posses anímicas. Estamos perante um Estado absolutista, insensível às necessidades de cada um, que actua a mando de uns burocratas, assentes em Bruxelas, que, sem terem conhecimento das características e especificidades de cada país membro, emana directivas como se fôssemos todos ovelhas da mesma espécie. Vou fechar o meu estabelecimento”. Notei que arfava de uma espavorida indignação.
A esposa tinha participado numa formação patrocinada pela ASAE, no sentido de tentar ir ao encontro das novas obrigações substantivadas pela directiva comunitária de Abril de 2004, e chamada HACCP, traduzido para o direito português como Sistema de Análise de Perigos e Controlo de Pontos Críticos. Durante a formação, e perante um esclarecimento de um agente daquela polícia da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica, a consorte do meu amigo descai-se com este lamento: “ó senhor agente, como podemos continuar a exercer a nossa actividade perante tantas exigências, num momento em que estamos completamente descapitalizados, e em que até recorrer ao crédito para obras de beneficiação é difícil?”.
-Não dá…feche! –Respondeu o agente sanitário com alguma rispidez, segundo o relato do meu amigo.
“Diz-me, interroga-me o meu amigo, achas que isto é postura perante um agente económico? Nós que trabalhámos toda a vida, somos tratados como “coisas” imprestáveis, sem ter em conta as diferenças de cada um? Pouco importa se sou coxo ou paralítico, as obrigações são iguais para todos. Mesmo sem poder, se tiver uma perna amputada, tenho de correr como os outros. Que Estado é este? As exigências são modernizar, modernizar até ao absurdo, como se a modernização fosse a panaceia de todas as doenças que grassam por aí. E, se não modificar para os parâmetros exigidos, tenho de encerrar. Acredita que lhes faço a vontade. Ai é isso que querem?!. Vão ver! –Exclama o meu amigo em fúria.
“Que vai ser dos nossos pratos e produtos típicos, que exigem ser confeccionados nos dias anteriores, como, por exemplo, a chanfana? E certas açordas, com receitas dos nossos ancestrais antepassados. Acaba-se tudo e passamos a comer só congelados? Será que está tudo doido? Para onde nos querem conduzir? Acabaram com o bom vinho de pipa, com o bom bagaço, com os “jaquinzinhos”, com as laranjas e com tudo o que não seja normalizado. Isto é obsessão, pá! Já viste esta nova lei para proibição de fumar nos recintos pequenos? Agora querem extractores de fumo. Dá impressão que querem é salvar alguma fábrica de extractores”.
“Não tardará muito entramos na normalização dos povos europeus, na eugenia –aplicação racional das leis da genética à reprodução humana, com o fim de obter melhoria das estirpes, tanto do ponto de vista físico como mental e da qual, de triste memória, foi Hitler um percursor. Quem nos defende?”
Mas será que não vêem que é impossível tornarem iguais países, nas pessoas dos seus nacionais e nos seus costumes, que são geneticamente, e pela força da sua história, diferentes entre si, numa amálgama esteriotipada e fabricada num parlamento composto por políticos que pouco contacto têm com o povo?”
“Para onde caminhamos?”. Sei lá! Respondi, encolhendo os ombros…