Tem uns olhos tristes, tão tristes, tão tristes, que, por parecer carregar toda a solidão do mundo, até parecem humanos. Embora a idade já mostre marcas num rosto sereno emoldurado com olheiras profundas, mostra um corpo seco como as palhas da manjedoura onde teria nascido o Menino Jesus.
Dizem que é uma “agarrada” a velhos hábitos que, vindos do tempo dos hebreus, diariamente ingerindo um álcool manhoso, faz, desfaz e liquefaz um fígado que regula o metabolismo e se quer forte para a desintoxicação do sangue que lhe corre pelas veias.
Dizem que o vício é tal que para obter a satisfação que a mantém de pé e aparentemente lhe levanta uma auto-estima que há muito perdeu nas veredas do emaranhado da psicologia e antropologia humanas, qualquer recurso serve.
Em busca de consolo físico e espiritual, ultrapassando pela direita uma moral que se perdeu na bruma do silêncio, transpõe qualquer obstáculo que se atravesse. Como tomada por um encosto de espírito maléfico que, ainda não conseguindo o metafísico descanso eterno, vagueia pelos caminhos e veredas da aldeia. Sem músculo que se vislumbre nos magros membros, como atleta de alta competição, transpõe uma cancela em ferro de altura considerável, uma qualquer porta mal fechada, força janelas bem trancadas a sete chaves em busca de uma garrafinha com conteúdo licoroso, amargo, tinto, branco, velho ou novo, tanto faz. Mas se por acaso não há pinga, pouco importa. Sempre se deita a mão a uns quaisquer bens que rendam qualquer coisinha e se possam trocar por uns cobres.
O santo padroeiro do lugar, pregado num tronco como recebedor de promessas e pagador de todas as maldades do Universo, há muito que perdeu a fé mas, mesmo assim, continua com os olhos pregados nas cintilantes estr.elas do Céu, que nos cobre como guarda-chuva esburacado, na esperança de que aconteça um milagre.
Sem comentários:
Enviar um comentário