segunda-feira, 1 de abril de 2024

BARRÔ: ENCONTRADO IMPORTANTE ACHADO ARQUEOLÓGICO


    



Foi no maior segredo para que a notícia não desse à luz. De tal maneira o assunto sigiloso foi tratado com pinças cirúrgicas que nem a carpideira nomeada do lugar soube de nada.

L. A. - que, como é óbvio, não podemos identificar mais do que as iniciais – acompanhado do seu inseparável detector de metais, no seu passatempo favorito, passeava alegremente na semana passada o seu instrumento à espera de um “bip, bip”.

Há muitos anos que a sorte não lhe sorri. O que apanha é o costume: recobertos por uns escassos palmos de terra, é encontrar cavilhas e pregos de ferro e até alguns cornos de boi ornamentados com tiras de prata, o que o levou a concluir que, mais que certo, os Vikings, ancestral povo escandinavo, não teriam sido somente excelentes navegadores dos oceanos, mas também teriam chegado à aldeia através da Ribeira do Salgueiral, leito de água há séculos provavelmente navegável que atravessa a terra fértil da povoação. Porventura, a ser assim, os nórdicos teriam desembarcado no cais e actual represa do moinho velho.

L. A. sem nunca desistir da sua intuição, já percorreu a zona de Barrô de lés-a-lés. Já esburacou a terra barrenta da Terra Nova e Gândara, outrora grandes jazidas da excelente argila que deu nome ao povoado, e que serviu de matéria-prima às duas desaparecidas fábricas de telha e tijolo, situadas no alto do Coito, na fronteira que divide Barrô e Vila Nova de Monsarros. Já andou pela Lapa-do-sino, paredes meias com terras opostas a Várzeas. Já calcorreou as leiras do Ribeiro, e até já chegou a Vale da Fé, passando pelo Vale da Formiga.

Nesta última semana, que, por acaso, até era Semana Santa, conta o próprio, o nosso pesquisador de metais raros, a remoer um tédio desgraçado, acompanhado da sua “mais que tudo”, com a “Marilu, a gata que se tornou bebé no doce-lar, no regaço, estava confortavelmente instalado na poltrona da sala a ver o programa da Júlia, na SIC, sobre a imperfeição dos homens. Foi então que, vá lá saber-se o porquê, sem nada que o fizesse prever, a mulher, “puxando a culatra” atrás da metralhadora verbal, deu em disparar contra o nosso herói. Respigava ela que o marido era um inútil, que já há vários anos não lhe oferecia flores, que nunca ajudava nos trabalhos de casa, que só tinha olhos para o detector de metais. E blá, blá, blá.

De tal modo foi o tiroteio que o nosso pobre homem se sentiu ferido na alma e no coração – que palpitava tanto, que até parecia ir dar-lhe um enfarte fatal, daqueles que amandam uma pessoa para o condomínio fechado de Vale da Ribeira.

L. A. não é crente, admite e tolera a fé dos semelhantes, mas acha que as religiões são uma balela intelectual, das mais bem orquestradas da Antiguidade até aos nossos dias. Mas isso é um problema de cada um, pensa para si em silêncio camoniano.

Atingido pela injustiça, como um autómato, subiu ao sótão, afagou o cabo da máquina prospectora de antiguidades e, em segundos que pareceram minutos, numa espécie de catarse, uma revisão mental de sentimentos, deu uma volta de 360 graus à sua vida simples e pacata. Num ápice, deu por si a apelar ao Criador que o ajudasse a encontrar o achado da sua vida. E que o catapultasse para o mar da riqueza e o retirasse de uma vida de modorra. Há décadas que sonhava que conduzia um Mercedes, para cima e para baixo, na rua principal do lugar. E que os vizinhos, cheios de inveja, com os olhos esbugalhados, assomavam à janelas num trejeito de rejeição.

Sem saber como lá chegou, calçado de botas de cano alto em borracha, estava no leito do rio, que, com um caudal significante, corria em direcção ao mar com aparente alegria, junto ao velho moinho movido a água.

Era um dia dos cinzentos e com chuva de molha-tolos e outros esgaziados. Mas, como milagre divino, as nuvens negras fizeram uma grande clareira azul e o Sol, como por indicação do Mestre, deu em brilhar como num Agosto soalheiro.

Sem explicação plausível, na margem descoberta do lado direito da ribeira, a máquina, sonora perante um metal, deu em fazer um chinfrim dos diabos. Era mais barulhenta que a sirene dos Bombeiros Voluntários da Mealhada.

Mas o que é isto? Queres ver que, depois da minha mulher a chatear, só me faltava esta?

Mas a descobridora de sonhos, quebradora de silêncios, insistia, insistia, e não deixava de fazer barulho.

Foi então que, como um raio de luz atingisse a sua frágil mioleira, o homem começou a pesar a mentira e a verdade. E se aquilo fosse uma epifania? E se ali andasse a “mãozinha invisível” do Criador?

Como um tolo, ou possuído pelo demónio, deu em escavar com as mãos no sítio exacto de onde provinha o som da glória.

Passou uma hora, passaram duas. O buraco cada vez mais fundo. Os dedos cheios de sangue, a fazer lembrar as chagas de Cristo. E da descoberta nem sinais. Mas L. A. não era dos que desistem à primeira contrariedade. E, olhando o céu em sinal de ajuda metafísica, continuou.

Foi então que aos oitenta e três centímetros e duas décimas um objecto reluzente começou a sobressair das entranhas da terra.

Era uma cruz em ouro. Antiga. Muito antiga.

Segundo o meu depoente, “o objecto foi entregue ao senhor padre da Paróquia, que já o enviou para ser avaliado em Lisboa”. E acrescenta, “tudo indica ser do tempo de Constantino, o primeiro imperador romano a converter-se ao cristianismo. Provavelmente, é mesmo a primeira cruz feita em ouro”.

E enfatiza: “quem diria que até os Romanos andaram por Barrô?


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