sábado, 26 de fevereiro de 2011

O ÚLTIMO ACTO DE UMA PEÇA QUE TERMINOU



 Como um velho teatro que apresentou a sua última peça, também esta loja na Rua Eduardo Coelho termina a sua longa temporada de quase duas décadas. Porque encerrou? É sempre a pergunta que fica no ar.
Para o Fernando Pereira e a Marta, marido e mulher, criadores, encenadores, vendedores de bilheteira, propagandistas, actores, fecham porque, por falta de espectadores, o seu "teatro" já não dava para a despesa. Com uma renda mensal de mais de 1000 euros era impossível continuar. Já pensavam em claudicar em Dezembro, mas, à última hora, decidiram permanecer mais dois meses para tentar esgotar os stocks.
Não é preciso dizer, a rua vai ficar mais escura, mais despovoada de comércio e o Centro Histórico, com mais uma loja que termina o seu mandato, fica mais empobrecido. A cidade, o grande conglomerado de múltiplas actividades que embora competindo entre si todas concorrem para o seu engrandecimento, ficará mais anémica, cada vez a perder mais o "vibrato" que teve noutros tempos quando liderava a orquestra comercial do Centro.
Aguardemos todos serenamente por melhores dias...
Mas, já agora, era bom que os senhorios destas lojas, a maioria deles velhos comerciantes, pelas rendas praticadas altíssimas e fora do contexto de crise económica que vivemos e com reflexo na procura, pensassem um pouco o quanto estão a destruir sonhos individuais, vidas colectivas e a contribuir para afundar cada vez mais o Centro Histórico. Estão no seu direito? Estão, sim senhor! Porém o direito -neste caso de propriedade- de cada um, enquanto fundamento legal e não despiciendo de moral, só será intrínseco se o seu detentor não ultrapassar o "devir" do bom senso. Um direito fundamental, tal como a lei, não é uma prerrogativa apática e petrificada. Pelo contrário, é dinâmico, elástico, e o seu usufrutuário, enquanto dignatário, tem um dever de missão, na obrigação de, no meio da colectividade em que se insere, contribuir para uma sociedade mais equitativa e solidária. Não é o que se verifica actualmente. Bem sei que o Estado, há um século, através de regimes de arrendamentos criminosos na igualdade entre inquilinos e proprietários, tem sido o causador desta assimetria impossível entre rendas de miséria antigas e absurdas actuais. Mas, apesar de tudo isso, neste caso dos arrendamentos comerciais novos, portanto com rendas actualizadas, não há razões que justifiquem este "abuso de posição dominante" -escrevo entre comas porque, neste caso de liberalização e perante uma lei que o admite, só em retórica e filosoficamente será doutrinado assim. No entanto, dizer que é o mercado a funcionar, com o promitente a aceitar os valores designados, é esquecer que há muitos milhares de pessoas à procura de trabalho. 
Da responsabilidade do Governo, é urgente rever o (Novo) Regime de Arrendamento Urbano. É preciso torná-lo eficaz neste universo de milhares de locados habitacionais e estabelecimentos comerciais encerrados e sem utilização. É preciso flexibilizá-lo. Hoje não faz sentido um código extenso de direitos e obrigações entre as partes. As premissas contratuais terão de ser estabelecidas pelos contraentes. A lei nas únicas obrigações que deve impor é que seja escrito e entregue na repartição de Finanças da zona adstrita. Depois desta importante alteração, com prazo para acabar com rendas antigas de 5, 50, 100 euros, então sim, estarão reunidas condições para que, através de lei de autorização, as autarquias imponham um prazo máximo de seis meses para que a todos os espaços seja cumprido o seu objecto sobre pena de ocupação compulsiva e designado pela edilidade -não se pode esquecer que, associado a este movimento, tem de ser libertado crédito para quem precisa de fazer obras e, neste momento de descapitalização, não pode.
Enquanto a lei não sai, penso que, no mínimo, a Câmara Municipal de Coimbra, enquanto parte interessada no repovoamento comercial da Baixa, deve chamar a atenção para quem pretende investir nesta parte da cidade. Além de mais, através deste acautelamento, teria aqui uma boa oportunidade para aconselhar diversidade noutras actividades para além das existentes. A autarquia, perante o que está acontecer nesta zona velha, tem obrigação de intervir. Todos sabemos que, a montante, nas rendas praticadas junto dos proprietários não poderá influir, mas pode e deve fazê-lo a jusante, junto de quem quer fugir ao desemprego e é apanhado nestas malhas ardilosas que, em curto tempo, conduzem a maior miséria nas famílias.
A edilidade não pode continuar a assobiar para o lado como se nada se passasse. É ao balcão de atendimento camarário que primeiramente um qualquer novo investidor se dirige, não será? Então será difícil criar um gabinete de consultoria nos  paços do Concelho? Até vou mais longe, aqui, neste departamento, já deveriam estar todas as informações sobre todos os espaços da Baixa e respectivos preços de arrendamento, e sem colidir com o interesse das imobiliárias. Tudo continuaria na mesma. A única alteração seria o aconselhamento e as informações sobre os arrendamentos que passariam a estar monitorizados e disponíveis na Praça 8 de Maio.
Está na altura do novo presidente Barbosa de Melo e a sua nova equipa mostrarem que são diferentes do executivo anterior -bem sei que poucas alterações teve, mas, sobretudo, o líder mudou. A bem da sua própria continuidade futura, a bem da Baixa, a bem da cidade, vamos lá a tirar a gravata e a pôr as mãos na massa, senhor presidente.

3 comentários:

Anónimo disse...

Que dizer?É mais um!Mais uma familia em dificuldades,mais uma pessoa que não vê o seu esforço reconhecido,mais um que está revoltado com esta vida,mais um que andou a pagar RSI's a arrumadores de carros,etc.,etc. Apetece,...,gostava de,ou melhor,queria que...,é pá já não sei o que dizer!
Marco
P.S.:atenção estou a generalizar,não conheço o sr.Fernando e esposa,estou a referir-me ao facto de o comércio tradicional estar a desparecer,como tem sido amplamente abordado no Questões.

Jorge Neves disse...

Para a semana de certeza que vão encerrar mais.
É triste mas é a realidade.

João Braga disse...

Em conversa tida hoje com o proprietário, o mesmo comunicou-me que vai deixar exposto na sua (ex)montra a seguinte mensagem :

" O ÚLTIMO A SAIR QUE FECHE A LUZ ".

Por quanto tempo mais iremos resistir até verificar esse acto?