sábado, 18 de outubro de 2008

"A INSEGURANÇA (SÓ) PREOCUPA COMERCIANTES DA BAIXA"


“Os comerciantes da Baixa de Coimbra estão receosos com a vaga de assaltos e pedem mais atenção às autoridades, à Câmara e à Associação Comercial e Industrial de Coimbra (ACIC). PSP lembra o recente reforço policial na zona”. Assim começa o Jornal de Notícias (JN), de hoje, a descrever mais um assalto, na zona histórica, a uma loja de velharias e antiguidades. Saliente-se, que, no decorrer de um ano, durante a noite, este é o terceiro assalto que este estabelecimento sofre através de arrombamento de grades de protecção e rebentamento de porta em vidro. O penúltimo, em Maio, deste ano, foi perpetrado às 23 horas e o último, no passado dia 16, deste mês de Outubro, às 00.39 horas.
Para melhor se compreender, vou recuar a Setembro de 2007. Por esta altura, a zona monumental da cidade teve uma vaga de assaltos nocturnos sem precedentes. Na mesma noite, chegaram a ser vários estabelecimentos assaltados. Um deles, a “Tasca da Graça”, entre Setembro de 2007 e Agosto deste ano, de 2008, foi salteado 15 vezes. Houve comerciantes que chegaram a dormir dentro dos seus estabelecimentos com caçadeira.
Por incrível que pareça, perante este atropelo à segurança e à cidadania, e no pico de violência contra a propriedade, ninguém se importava com as proporções que os roubos estavam a tomar. O Governador Civil entendia que o Presidente da Câmara deveria abrir concurso para guardas-noturnos. O presidente da autarquia, rejeitava responsabilidades na segurança da cidade e, convictamente, afastava a hipótese desta solução e remetia o problema para o Comando da PSP. Este Comando, em declarações públicas, reconhecia que tinha poucos meios efectivos e estava a fazer o que podia. Mostrando a sua incapacidade em assegurar a segurança pública, adiantava que os comerciantes deveriam investir em alarmes e grades de protecção. Em suma, neste “driblar” de bola, passando a responsabilidade em cadeia, os assaltos continuavam.
Como sou cliente diário do estabelecimento da D. Graça, comecei a aperceber-me da alteração do estado anímico desta senhora. Ou seja, a industrial de hotelaria, que até aqui foi sempre uma pessoa calma e cordata, pela repetição constante de assaltos, e pela incapacidade de se defender, aos poucos, começou a tornar-se uma bomba em potência. Ao mínimo desentendimento, ora chorava desalmadamente, ora se tornava violenta. Num desses dias, quando um empreiteiro, com os seus empregados, se preparavam para estreitar a passagem para o seu estabelecimento, D. Graça, tal como padeira de Aljubarrota, retira-lhe das mãos uma rebarbadora e, fora de si, com ela ligada, em riste, ameaçou-os de morte. Como estou a dois passos, o marido telefonou-me aflito, “senhor Luís, por favor ajude-me que a minha Graça está prestes a cometer uma desgraça”. Quando cheguei, o problema estava resolvido. O empreiteiro, que provavelmente não teria a vida no seguro, preferiu não arriscar e abandonou a intenção de estreitar a passagem. D. Graça, abraçada ao marido, chorava desalmadamente.
Não sei se tenho vocação para herói, talvez isso aqui pouco importe, mas uma coisa posso garantir: sou uma pessoa sensível e solidária e não gosto de injustiças. Perante aquele quadro, a representar uma Madona, mãe de Cristo, lavada em lágrimas, e em sofrimento, imediatamente tomei uma decisão, de que iria tomar providências.
Uns dias antes, eu fora falar com o senhor Armindo Gaspar, director da ACIC e, tal como hoje, presidente da APBC, Agência para a Promoção da Baixa de Coimbra, e, como até aí, nenhuma destas instituições tinham aparecido a tomar posição sobre este grave problema, chamei-lhe a atenção para a necessidade de reivindicar mais policiamento e, sobretudo, que aparecessem a defender os comerciantes lesados, uma vez que esse papel político lhes cabia por inteiro. Perante a minha argumentação, mostrou profunda aversão ao facto de se dar a conhecer os assaltos na Baixa ao público em geral e, em particular, na imprensa. Tais anomalias sociais, quando “escarrapachadas” nos jornais eram muito prejudiciais à Baixa. “Afastava muito mais as pessoas, pelo sentimento de insegurança que causava nos leitores”, enfatizou Armindo Gaspar.
Perante este “enterrar a cabeça na areia”, fui à Assembleia Municipal e, perante os deputados municipais, denunciei o que considerei ser um escândalo. Exceptuando, Carlos Clemente, presidente da Junta de Freguesia de São Bartolomeu, uma das duas representativas da zona histórica, praticamente não obti nenhuma reacção dos representantes daquele plenário.
Quando, então, depois, a D. Graça pegou na rebarbadora, fui à reunião do executivo camarário e, perante o presidente da Câmara, Carlos Encarnação, contei o que tinha presenciado e, preveni, que esteve prestes a acontecer uma desgraça. Que, perante a tensão social que os comerciantes sentiam, se não fossem tomadas medidas de segurança na Baixa, a qualquer momento, podia acontecer um qualquer homicídio. Foi então que a imprensa “pegou” “na rebarbadora e nas caçadeiras”em título de caixa-alta, e no tempo de um mês foi praticamente resolvida a insegurança. Foi preso o cabecilha do grupo de assaltantes e constituída arguida uma senhora estabelecida, ironicamente, aqui na Baixa, que fazia a receptação dos artigos roubados.
Tal-qualmente como o resto do país, a partir de Janeiro, deste ano, embora com menos acutilância do que em Setembro de 2007, os assaltos durante a noite, progressivamente regressaram. As Zonas históricas, durante a noite, são desertos de ninguém.
Da mesma forma que no ano passado, os representantes institucionais dos comerciantes, preferindo isolar as manifestações do problema, fazendo de conta que não se passa nada, em vez de reivindicarem soluções para as causas –como quem diz exigir policiamento da PSP-, num autismo só compreensível aos seus toscos olhares, talvez pela sombra lateral de palas que, antigamente, os burros usavam, ou então porque lhes dá jeito apoiarem o poder político autárquico, continuam a leste do paraíso.
Depois desta longa exposição –se o leitor chegou até aqui, fogo, você é um lutador-, já dá para compreender as declarações ao JN da ACIC e autarquia, em que refutam críticas e remetem segurança para a PSP.
Estou a abusar da sua paciência, mas vou transcreve-las: “O presidente da Câmara Municipal de Coimbra, Carlos Encarnação, compreende que há problemas de segurança na Baixa que têm de ser resolvidos, mas afirma que a autarquia não pode fazer mais. “Questões de segurança são com a PSP”.
Por seu lado, “Paulo Mendes, presidente da ACIC, disse desconhecer o assalto de quinta-feira, e desdramatizou a situação. “Que eu saiba houve esse assalto e houve um outro há cerca de um mês. Não há nenhuma vaga de assaltos na Baixa de Coimbra”. Diz ainda, no mesmo jornal, que “Refuta ainda as críticas que a associação que preside é alvo por parte dos comerciantes e tem a mesma opinião do presidente da CMC, segundo o qual quem tem intervenção em termos de segurança é a PSP”.
“A subcomissária da PSP de Coimbra, Margarida Oliveira, lembra que houve há pouco um reforço policial na zona, e que daí para cá “houve uma redução de assaltos”.
Elementar, meu caro!, como diria Sherlock Holmes, pela pena de Conan Doyle.

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