sexta-feira, 5 de novembro de 2010

BAIXA: UMA MÃO ESTENDIDA NA SOLIDÃO

(É AQUI, NO EDIFÍCIO AZUL, NO RÉS-DO-CHÃO, QUE VAI DECORRER A VENDA DE NATAL)



  São 21,30, lembradas há pouco pelo som das badaladas do relógio da igreja de Santa Cruz. É uma noite outonal em que faz algum frio. Do Edifício Azul, no Largo das Olarias, em passo decidido, saem duas mulheres e um homem. É a Maria Martinha, a Mónica e o Ricardo. Entre as passadas bem vincadas da Martinha, que vai à frente, em direcção a um carro modesto, estacionado ali ao lado, deu para ver que aquela hora da noite, em frente à Loja do Cidadão, cerca de uma vintena de sem-abrigo esperam uma refeição trazida por uma qualquer instituição de apoio aos “descamizados” da sorte. Nenhum dos elementos deste trio proferiu uma palavra, mas pelo ligeiro enrugar das frontes deu para ver que todos foram tocados pela pobreza emergente daquela pobre gente.
Junto ao carro estavam mais duas pessoas. Entraram todos e seguiram em direcção à Avenida Fernão de Magalhães. Pararam em frente às Finanças, quando avistaram duas mulheres, uma já entrada nos “entas” e outra com cara de adolescente, ambas de saia curta e generoso decote. Havia uns largos metros a separar as duas mulheres. A primeira a ser abordada foi a mais velha, também de ombros à vela e seios um pouco flácidos em promessa de olhar o chão. Quando esta avistou o grupo, como se cumprimentasse um familiar chegado, com grande contentamento, exclamou: “olha a minha “irmã”! E correu a dar um beijo na face de Martinha, seguindo-se os outros rostos de acompanhamento. Rapidamente, Mónica, por já conhecer os hábitos desta mulher, puxa de um termo e despeja um café a fumegar num copo plástico. Enquanto a visitada vai sorvendo o líquido escuro devagar para que não se escalde, Martinha, puxando do seu casaco de abrigo e colocando-o sobre os ombros desnudos da mulher que “tirititava”, interroga: “então, Joana, como é que estás hoje? Sentes-te bem? Já te passou aquela dor de ouvidos?”. Perante o aceno de cabeça, insiste a Mónica, “não te esqueças que, se precisares, marcamos-te a consulta no posto de saúde. Se tiveres necessidade, não hesites em contactar-nos no gabinete, no Edifício Azul!”. Um carro pára com um homem de meia-idade lá dentro. Joana, mesmo ainda com o copo meio de café coloca-o com alguma meiguice na mão de Martinha e dirige-lhe um olhar “ternurento” de despedida, como a agradecer o agasalho oferecido ou a pedir desculpa pelo abandonar da conversação. Mónica, em desespero de causa, levantando um pouco a voz, ainda interrogou: “precisas de preservativos?”, mas a mulher já só abanou a cabeça negativamente já com o corpo meio entranhado no Mercedes. E arrancou.
Para nenhum dos voluntários do grupo “ERGUE-TE”, das “Irmãs Adoradoras”, este comportamento é estranho. Todos eles sabem que a sua missão humanitária, como míssil de precisão, terá de ser rápida e eficaz na acção. A “mulher de rua” não pode perder tempo. Aquelas duas horas que as separam da meia-noite são a esperança que vai alimentar um filho, dois filhos, outras vezes o proxeneta. Não há tempo a perder. “Vida dura, que perdura, para quem não tem outra saída”, pensa Martinha, em solilóquio, para com seus botões, apesar de nada disto ser novo para nenhum deles.
Martinha, mulher esbelta em corpo franzino, olhar brilhante de inteligência, não tem idade. É daquelas pessoas que tanto podem estar na casa dos trinta como nos quarenta. Pelo vestir ligeiro de simplicidade ninguém adivinhará que este motor de vontade indomável é freira. Na ligação entre as dúvidas existenciais terrenas e as certezas transcendentais só uma pequena medalha de Cristo, pendurada ao pescoço num fio de prata, mostra a sua inabalável fé no Redentor. Martinha é assistente social e monja da Comunidade das Irmãs Adoradoras em Coimbra, que é composta por três irmãs. Para levarem a bom porto o navio que comandam neste encapelado mar social, contam com dois técnicos contratados, a Mónica, que é psicóloga, e o Ricardo, que é educador social. Para além destes dois elementos, predestinados por vocação no valor da solidariedade, a praticarem o bem sem olharem a quem, tal como Martinha, a Comunidade das Irmãs Adoradoras conta ainda com cerca de uma dezena de pessoas em regime de voluntariado.
A população alvo da Equipa de Intervenção Social “ERGUE-TE” é as mulheres que se prostituem, e seus agregados familiares. A sua área geográfica é o distrito de Coimbra.
O que move os seus princípios orientadores é a intervenção específica para cada situação. Isto é, o que se procura é a participação activa da mulher e da sua família. Por outro lado, cria-se um espaço de escuta, seguro, confidente e de respeito pela liberdade da mulher.
O projecto “ERGUE-TE” tem por missão facilitar o encontro com a mulher no seu contexto “prostitucional” e familiar, com o objectivo de lhe oferecer informação, apoio e alternativas à sua situação, que contribua para o seu desenvolvimento integral, da sua família e facilite a sua inserção sócio-laboral.
A equipa desenvolve duas grandes acções, distintas mas complementares: na Sede da Equipa/Gabinete de Atendimento e em Giros no Exterior, efectuados com recurso a uma Unidade Móvel adaptada para o efeito. Os Giros são diários e realizam-se nas ruas da cidade de Coimbra, estradas dos concelhos do distrito, bares, pensões e apartamentos, conotados com a prática da prostituição.
O Gabinete de Atendimento funciona diariamente e proporciona acompanhamento social, psicológico, jurídico, encaminhamento para o Serviço Nacional de Saúde, fornecimento de material de informação e prevenção de infecções sexualmente transmissíveis.
Para além de outras parcerias, formais e informais, a Equipa de Intervenção Social “ERGUE-TE” tem celebrado um Acordo de Cooperação com o Centro Distrital da Segurança Social de Coimbra, que financia cerca de 80 por cento da Resposta Social.

O PROJECTO “ERGUE-TE” PRECISA DA NOSSA AJUDA

 Nos tempos de crise que se vivem, naturalmente, é quase evidente que as comparticipações escasseiam. A Equipa de Intervenção Social “ERGUE-TE” precisa de meios que lhe permitam continuar o seu bom trabalho neste Ano Internacional de Luta Contra a Pobreza e Exclusão Social. Assim, a fim de angariar verbas, nos próximos dias, de 08 a 12 de Novembro, no Largo das Olarias número 132, em frente à Loja do Cidadão, vai decorrer uma Venda de Natal, com artigos diversos, desde antiguidades até ao objecto útil sem grande interesse comercial, mas tudo a preços módicos. A intenção não é obter o máximo valor transacionável de cada objecto, mas sim apelar à contribuição dos cidadãos em troca de um pequeno artigo.


3 comentários:

Jorge Neves disse...

Vou partilhar no meu blogue.

LUIS FERNANDES disse...

Obrigado, Jorge. Faz muito bem. Deve-se ajudar quem faz bem sem olhar a quem...
Abraço.

LEBENSRAUM disse...

Vamos divulgando uns aos outros. Em vez de nos inundarmos de plástico no natal ajudamos o projecto da Mónica com algum restinho do nosso orçamento.