Ontem,
por volta das 13h30, um homem de cerca de 35 anos, depois de ter
acessado às torres do Arnado pelo rés-do-chão, entrou no elevador
que dá acesso a diversos serviços judiciais ligados ao Ministério
da Justiça, abriu uma das portas de emergência do 6.º andar e
atirou-se no vazio.
No
pouco que consegui saber, era um homem de olhar perdido, vazado, de
rosto amargurado, cabelos desgrenhados e barba de muitos dias. Digo
eu, extraindo palavras não proferidas, anunciava e cheirava a morte.
O
assunto, hoje, no rés-do-chão do centro comercial é tabu. Ninguém
sabe nada, ninguém viu nada, ninguém quer falar do que aconteceu.
Conseguir algo substancial para escrever a notícia é quase preciso
percorrer loja por loja, restaurante por restaurante. Eureka!, lá se
conseguiu tirar qualquer coisinha de um super-anónimo, muito
anónimo, e mais ainda incógnito sublinhado pela recomendação “eu
sei pouco! E não quero lá o meu nome, está a ouvir?”
Quando
pergunto a razão de todo este segredo, se será porque pode
prejudicar a reputação do centro comercial implantado no centro da
Baixa, o meu interlocutor não sabe responder. “É assim porque
é assim! E pronto! O que é que interessa isto? A morte de alguém,
mesmo para noticiar, importa a alguém?”, interroga-me
com cara de anjo.”
UM
CASO PARA REFLEXÃO
Os
jornais diários da cidade de hoje, Diário de Coimbra e Diário as
Beiras, não escrevem uma linha sobre a ocorrência. Não
tenho a certeza mas creio que há legislação nacional que sanciona
a divulgação de suicídios, pelo menos, de forma sensacionalista.
Mas, tanto
quanto julgo saber, o critério de noticiar ou não uma
morte por autocídio
fica no âmbito
da metodologia da
redacção
de qualquer órgão de comunicação social, embora, diga-se, a
Organização Mundial de Saúde, OMS, recomenda que, para não se
estimular o acto de pôr termo à vida, que se trate o assunto com
“pinças”. “O
suicídio é um problema de saúde pública, e o tema não deve ser
abordado de forma sensacionalista. Cada caso encerra um mistério,
uma história de vida muitas vezes dramática, e com grande
sofrimento”,
escreve
Pedro Afonso, no Jornal online Observador.
Continua
o articulista, “Apesar
de aparentemente estas situações terem na sua origem patologia
psiquiátrica, importa refletir sobre as consequências e os perigos
de se divulgar os suicídios, de forma sensacionalista, na
comunicação social. Há muito tempo que se sabe que o suicídio não
deve ser publicitado, de forma sensacionalista, pelos perigos que
advêm do efeito mimético que a sua divulgação pode provocar em
pessoas fragilizadas pela depressão. Desde o século XVIII que se
conhece o fenómeno do “suicídio imitativo”, designado por
“efeito Werther”
A
questão é:
a
total supressão da notícia é bom ou mau para a colectidade? Porque
uma coisa é noticiar o facto como mais uma morte incidental, sem
alardes de sensação, e outra é fazer de conta que nada se passou e
tratar o acontecimento como se não existisse.
Embora
aceite que é um assunto que cabe à decisão dos jornalistas, tenho
para mim que, fazendo de conta que nada ocorreu, seja
lá no que for,
não é o melhor caminho. Empobrece
a comunicação social e deixa uma sensação de vazio no público
leitor que, diariamente, anseia por notícias do seu bairro, da sua
terra. É como se estivéssemos todos a enterrar a cabeça na areia.
Em vez disso, da abolição, dever-se-iam escrever bons textos, sérios, de análise
social que levassem o leitor a entender o que se está a passar na
sociedade portuguesa. O que é que está a concorrer para estes casos
serem repetidos à exaustão? É a economia nacional? São as
políticas sociais que estão a falhar? É o modelo hodierno de
convivência que está a ruir?
Numa
altura de grave crise em que se encontram os jornais em papel, digo
eu, não se deve aceitar de ânimo leve certas directivas, mesmo
vindas da OMS.
Sem dúvida que esta abordagem é fundamental, como alerta e, mesmo que possa ser utópico, poder-se eliminar as causas que levam a uma decisão final, como a deste senhor.
ResponderEliminar