(IMAGEM DA WEB)
A mulher, alta, magra, de cerca de 30 anos, de aspecto relativamente cuidado, transpõe a porta da pequena loja de velharias empurrando um triciclo com um bebé de mais ou menos um ano. Traz consigo um pequeno saco. Encosta o carro com a criança e dirige-se ao dono do estabelecimento: “disseram-me que aqui compram coisas”. E abre o pequeno saco de papel já muito usado noutras viagens. Lá dentro, seis pequenos livros de romance em formato de bolso e uma pequena caixa, tipo guarda-jóias, com uma argola de prata, com a inscrição “Bebé” e um pequeno anjo de asas abertas também de prata. Certamente oferta do baptizado do pequeno rebento, que, olhando fixamente os dois, um pouco corado, assistia a esta cena.
A sua voz é frágil e vacilante. Tudo indica, no seu titubear, que há um receio impresso, como se adivinhasse antecipadamente o que vai ouvir. Como se, por calcorrear outras tantas portas batidas, já conhecesse a resposta de cor e salteado.
E a resposta do comerciante, já repetida nesta manhã, cerca de meia-dúzia de vezes, saiu inexorável. Inevitavelmente, foi igual à de tantas outras já conhecidas pela mulher: “não posso comprar. As coisas estão más. Lamento!”.
E ali, naquela pequena loja, a mulher como se estivesse em fim de tempo, grávida de tanta negação e insensibilidade, como se ali mesmo tivesse rebentado o saco das águas, leva uma mão aberta aos olhos, como envergonhada da sua indefesa, e chora copiosamente. As lágrimas, como paridas de uma situação incongruente e filhas de pai incógnito mas conhecido de vista, como pingos de chuva deslizando pela montanha, escorrem sem controlo pelo rosto da jovem mulher.
-Desculpe…desculpe! Não sei o que fazer! Tenho o meu filho a arder em febre e não tenho dinheiro para comprar um medicamento que possa atenuar a sua temperatura febril.
O meu marido batia-me e tive de sair de casa. A Caritas arranjou-me uma habitação…estou a pagar 70 euros. De subsídio de apoio à pobreza, recebo 220 euros. Mal dá para eu comer e comprar fraldas ao bebé. Tenho recebido ajuda do Banco Alimentar e da Caritas, mas não há sempre. Eu queria trabalhar, mas a única coisa que me aparece é para a hotelaria. Tenho de trabalhar à noite. E quem me fica com o bebé? Já contactei uma senhora para me ficar com ele, mas ela quer 150 euros. Ora diga-me, se eu vou ganhar 450 euros, como é que posso?
Há dias fui falar com o padre lá da minha zona, a pedir auxílio. Olhou para mim, mirou-me de alto a baixo, e talvez porque me visse limpa e arranjada, disse-me que fosse trabalhar. Trabalhar para onde? Olhe, eu sou católica, mas perante a atitude daquele padre, questionei o que ando a fazer na minha crença.
Já fui falar várias vezes com a assistente social da minha zona. Diz para eu rezar. Rezar como? Eu e o meu bebé alimentamo-nos de orações?
Ainda ontem, ia eu com o meu filho ali na rua e uma cigana romena, dessas que andam por aí a vender pensos, foi atrás de mim a pedir-me uma moeda. Saberia ela que eu, se calhar, preciso muito mais? Saberia ela que chego a passar fome?
Sou ali da zona de Aveiro. A minha mãe mora lá. De vez em quando telefona-me a saber como é que estou. Digo que estou bem. Se eu lhe disser que estou a passar fome é mais uma preocupação que lhe vou dar. Não posso fazer isso!
Desculpe estar a contar-lhe isto, mas preciso de desabafar. Peço muita desculpa! E as lágrimas continuam a correr-lhe pelo rosto abaixo. Há dias estava tão desesperada que não tinha nada que dar de comer ao meu filho. Entrei naquele supermercado, ali junto à estação, e furtei um iogurte para lhe dar. Já viu? Eu não tinha 20 cêntimos para comprar um simples iogurte. 20 cêntimos…já viu bem? Que vergonha!
Fui apanhada junto à caixa. Chamaram a polícia. Que vergonha! Imagina uma pessoa ser apanhada a furtar um iogurte? Mas que havia de fazer? Veio a PSP. Levei uma rabecada das grandes do polícia. Eu chorava desalmadamente. Custou-me muito! Não sei o que fazer à vida! Se não fosse o meu filho já tinha acabado com tudo isto há muito tempo. Isto é viver? Isto é vida para alguém?
Desculpe…desculpe, eu estar para aqui com esta choradeira toda, mas eu precisava de desabafar…
(HISTÓRIA VERÍDICA, RETIRADA DO QUOTIDIANO)
(HISTÓRIA VERÍDICA, RETIRADA DO QUOTIDIANO)
Infelizmente este tipo de situações são demasiado frequentes no nosso país.
ResponderEliminarEm vez de darem subsidios miseráveis a esta gente, se lhes arranjassem soluções de trabalho, talvez não houvesse tanta miséria. Talvez esta mulher pudesse pagar os 150euros à ama.
Acho que se faz bem continuar a enfiar a cabeça debaixo de terra, enquanto isso vão-se mostrando estatísticas de desemprego, arranjam-se soluções para os que não querem trabalhar, mas para os que anseiam ter um sustento digno, aí a conversa já é outra!
Há que rezar!