quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

REINVENTAR A BAIXA

(IMAGEM DA WEB)


 Infelizmente e pelos piores motivos, nos últimos tempos, muito se tem falado e escrito sobre a Baixa. As razões são sobejamente conhecidas. Resultado de decisões políticas tomadas nas últimas décadas, sabemos que confluíram numa depreciação do estado de convivência desta zona histórica. Hoje, à distância de cerca de vinte anos, exactamente por essa verdade que o tempo nos permite inferir -embora, sejamos honestos, fez-se o que se achava melhor na altura-, dá para ver que, como castelo de cartas a ruir, todas contribuíram para a decadência deste coração da cidade.
Antes de avançar mais vou elencar algumas medidas que, com o tempo, progressivamente, foram minando esta terra com vida e hoje deserta de moradores, de comércio e de serviços. Mostrarei também algumas soluções que me parecem evidentes:

TRÂNSITO: Quando em 1990 se retirou o tráfego automóvel do canal, constituído pelas Ruas Ferreira Borges e Visconde da Luz, estas e outras artérias estavam pejadas de transeuntes. Só para se ter uma ideia, nas ruas estreitas, do Corvo, Eduardo Coelho, Padeiras e Adelino Veiga, circulava-se em fila indiana. Ou seja, nessa altura, devolver o espaço público às pessoas fez sentido. Hoje, verificando-se o inverso, as ruas vazias, faz todo o nexo –nem que fosse em experiência temporária- retomar o costume antigo e, pelo menos, repor os transportes públicos e táxis a circular nestas vias. Tenho falado com alguns comerciantes desta zona e, a maioria, são unânimes que se não for feita qualquer coisa para reanimar vão claudicar –lembro que este canal, neste momento tem cerca de 15 lojas encerradas e, proximamente, vão fechar mais duas.

ELÉCTRICOS: Numa decisão pensada como a melhor na década de 1980, retirou-se os velhos eléctricos da cidade. Hoje, a pensar na história e no turismo da cidade, faz todo o sentido implantar uma circunferência em toda a Baixa com um ou dois eléctricos a circular num perímetro entre o Largo da Portagem, ruas da calçada, Praça 8 de Maio, Rua da Sofia, Avenida Fernão de Magalhães ou junto à marginal do rio.

AVENIDA CENTRAL: Se não houver Metro Ligeiro de Superfície na cidade –como tudo indica, por mais promessas que se façam este projecto, pela sua inviabilidade económica, nunca será concretizado- não faz qualquer sentido continuar com as demolições para abrir uma avenida central em direcção à Caixa Geral de Depósitos. Para asneiras em catadupa já basta as que se fizeram. A Baixa tem problemas de fluidez de trânsito? Não tem. Quanto muito será a Avenida Fernão de Magalhães que estará sobredimensionada, mas tem de se tomar em conta dois factos: o primeiro é o custo crescente dos combustíveis e a diminuição da utilização do automóvel e o segundo é o projecto que está planeado para junto ao Estádio Universitário, em que se desviará muitos carros do centro da Baixa.
Não é admissível, tendo em conta o bem comum, continuar o desmantelamento de edifícios habitacionais antigos junto à Rua Direita assim como levar à demolição da Pastelaria Palmeira, a Democrática e outros que agora não lembro. Só fará sentido este pôr a baixo se o que se procura é o interesse de alguns especuladores e menos o interesse público. Se se continuar a destruir mais casario são mais moradores que ali nasceram e têm suas raízes que vão ser enxotados para fora. Haja alguma calma no camartelo!
Naquele “buracão” junto à Loja do Cidadão construa-se ali um centro de exposições para toda a Zona Histórica, mas com urgência.

COMÉRCIO: Devido à míngua de pessoas a circular na Baixa, cada vez se vêem menos clientes a entrar nas lojas. Ora, diz-nos o bom senso que se Maomé não vai à montanha inverte-se a vontade. Então, é preciso que os comerciantes entendam que, futuramente, terão de vir para a rua vender. Com o beneplácito da autarquia, incentive-se estes profissionais a expor à frente das suas lojas, ocupando parte das ruas e praças, e desde que não coloquem em perigo a necessária circulação dos bombeiros –neste momento, penso saber, com o argumento da segurança, a Câmara Municipal de Coimbra está a planear retirar a ocupação de espaço em frente aos estabelecimentos. Ora esta medida vai exactamente em sentido contrário ao que se deve fazer para tentar manter o comércio activo, sobretudo numa fase tão complicada como a que se vive.
Por sua vez, os comerciantes, sabendo que estamos perante o facto de o cliente cada vez menos entrar nas lojas, devem perder os complexos de novo-riquismo e têm de vir para a rua vender, apostando em feiras de rua semanais, sobretudo ao Domingo. Ganham todos, incluindo a cidade, que através de uma alegoria sem custos, fica valorizada nesta acção de revitalização. A edilidade deve estar atenta a estes fenómenos, autorizando, a custo gratuito, a ocupação de espaço público.

HABITAÇÃO: Perante a desertificação maciça que se verifica na Baixa, há muito tempo que os serviços camarários deveriam largar os seus gabinetes e virem para a rua, inventariando todos os prédios vazios, falando com os proprietários, no sentido de os convencer a arrendarem os locados. Esta persuasão poderia ser feita de várias maneiras:

a)      No caso de prédios com uma única entrada, com loja no rés-do-chão, e restantes pisos superiores vazios, deveria autarquia voluntariar-se para realizar e oferecer o projecto de alteração a custo zero. Ganhavam todos, os comerciantes proprietários, que não têm dinheiro para modificar seja o que for; ganhavam os funcionários da autarquia, porque mantinham os seus postos de trabalho, se nada for feito, os despedimentos vão ser em barda; ganhava a Baixa e a cidade;

b)      É preciso simplificar o ordenamento jurídico relativo às obrigações labirínticas que podem e devem levar ao arrendamento no centro histórico. É inconcebível que as obrigações, com custos exacerbados, desmotivem qualquer proprietário a arrendar nas zonas antigas;

c)       Em face da completa descapitalização da maioria dos proprietários é urgente um plano de negociação entre estes e a autarquia. Com intervenção de uma entidade bancária, a edilidade deveria tentar desbloquear verbas para a revitalização do edificado, juntando outras benesses administrativas, de modo a estabelecer um “plafond” médio de rendas habitacionais não superiores a 250 euros. Só assim será possível cativar casais novos para a Baixa;

d)      É errado continuar a apostar tudo no arrendamento de quartos. Aliás, a breve prazo, e uma vez que numa síndrome de carneirada os proprietários estão todos a embandeirar em arco neste negócio como se tivessem descoberto ouro, é de supor que iremos ter surpresas.

BARES: Também aqui, a meu ver, terá de se andar devagar. A Baixa, neste momento, não tem pessoas  à noite. O que quero dizer é que todos os projectos de revitalização são bem-vindos. Mas é preciso sustentação. É certo que tudo funciona na teoria da pescadinha de rabo-na-boca. Isto é, por um lado, as pessoas não vêm porque não há divertimentos, mas, por outro lado, se não houver o cuidado de envolver toda a hotelaria não se conseguirá fazer da Baixa o centro de animação da cidade. E, se não houver politica, é mais que certo bons projectos em curso falharem por falta de harmonização de interesses comuns.
Por outro lado, uma vez que a Baixa, felizmente, está a começar a “sair da casca” é bom que a Câmara Municipal tome atenção ao licenciamento do horário, de modo a não permitir funcionamentos para além das 02h00 da manhã, e para que não haja conflitos com os residentes, como está acontecer em muitas partes da cidade.

PROSTITUIÇÃO: É preciso, com urgência, ordenar o Largo das Ameias. Pela consideração que nos merecem os operadores hoteleiros daquele reputado espaço, não se pode continuar a fechar os olhos ao que se passa ali. Com o encerramento, há meses, da pensão do Salgado, na Rua Adelino Veiga, aconteceu o que era previsível: estas mulheres, uma vez que lhes retiraram o local onde permaneciam quase fora de vistas, agora são obrigadas a estar na rua. É melhor assim? Enfim, prefiro não fazer juízos de valor. O que sei é que estas “profissionais do sexo” têm direitos de cidadania e devem merecer o nosso respeito. Não é ignorando a sua presença, fazendo de conta que são “coisas”, que se dignifica a pessoa humana. Bem sei que esta conversa nos levaria longe, e eu e você não temos tempo, mas, embora ninguém o admita, estas mulheres desenvolvem um serviço social –bem sei que você sorri, mas é mesmo assim.
Em suma, mais uma vez harmonizando os interesses privado e público, é preciso arranjar uma solução para o Largo das Ameias. Ali à volta, todos os operadores comerciais se queixam da concentração abusiva destas pessoas ali durante todo o dia e noite.

4 comentários:

Sónia da Veiga disse...

Luís, neste momento todos temos que nos reinventar, que reinventar a nossa sociedade, que recuperar os nossos valores, caso contrário não seremos capazes de sair do buraco onde nos encontramos.
Há esperança, mas apenas se as pessoas perceberem que não se pode baixar os braços e esperar que aconteça algum milagre ou que o mundo efectivamente acabe este ano, porque nós e só nós temos poder para mudar isto.
Só ainda não percebi porque é que não prestam atenção às suas sugestões, tal como aconteceu com aquele senhor que andava a dinamizar os comerciantes a título individual - o futuro não será dos lobbies, mas sim dos seres humanos que cooperem e se entre-ajudem.

Tudo de bom amigo e, mal tenha um tempinho, vou aí visitar! :-)
Beijinhos para todos,
Sónia

LUIS FERNANDES disse...

Obrigada, minha princesa. Obrigada pela sua generosidade. Cá esperamos por si. Um beijo para si e um abraço para a malta lá de casa.

Carlos disse...

A proibição da circulação automóvel (excepto cargas e descargas), nas ruas Ferreira Borges e Visconde da Luz, foi das melhores decisões tomadas. Não é por acaso que essas ruas são as melhores artérias comerciais de Coimbra. E o facto de terem encerrado lojas nessas ruas não se deve a esta decisão, pois o trânsito que lá passava era apenas de passagem, tal como acontece na rua da Sofia.
Esta proibição deveria estender-se à Rua da Sofia, que faz parte da candidatura a Património Mundial da UNESCO, e que passaria a ser uma nova artéria comercial e turística. O comercio da zona não ganha nada em ter carros a passar à porta, aliás só perdem, a poluição causada pelos automóveis degrada bastante as fachadas. O trânsito passaria a circular pela nova avenida (CGD - Fernão Magalhães).
Basta ver a realidade de muitos cidade europeias, onde existem zonas históricas comerciais completamente vedadas aos automóveis.
Em relação ao eléctricos, também acho que deveriam ser criados circuitos turísticos. Por exemplo: Largo da Portagem - Praça 8 de Maio - Av. Sá da Bandeira - Universidade - Praça da República - Rua da Sofia - Marginal - Beira Rio - Portagem.

Anónimo disse...

O que penso sobre reinventar a baixa:
TRÂNSITO:
Pessoalmente não vejo qualquer ganho na abertura ao trânsito do eixo Largo da Portagem – Praça 8 de Maio, bem pelo contrário, só iria afastar mais pessoas da baixa e principalmente daquela principal artéria. Basta olhar para aquelas esplanadas que passam o dia completamente cheias de gente.
A abertura ao trânsito em nada iria servir o interesse dos comerciantes, nos dias de hoje já não permitiriam que parassem os carros em cima do passeio para irem fazer as compras.
ELÉCTRICOS:
Voltar a dar vida aos eléctricos seria uma excelente ideia mesmo que se tenha de adaptar os eléctricos a uma nova realidade, já não vejo viabilidade alguma na implementação de novos carris.
Fazia todo o sentido que circulassem entre o Largo da Portagem Praça 8 de Maio Rua da Sofia Av. Fernão Magalhães – Zona do Rossio de Santa Clara.
AVENIDA CENTRAL:
Defendo que a primeira obra a ser realizada para revitalizar a baixa é a construção de uma ponte pedonal entre o Estádio Universitário e a Estação Nova.
Requalificar a margem direita entre a Estação Nova e a Ponte do Açude aproveitando o espelho de água que o Mondego proporciona.
Numa outra vertente e em solução de recurso caso não seja construído o Metro de Superfície, deve ser repensado toda a zona que já começou a ser demolida ou esta em vias de o ser. Todos os edifícios que ainda possam ser remodelados/recuperados devem o ser para habitação jovem, todos os edifícios que não apresentem condições para futuras habitações devem ser demolidos e esse espaço ser transformado em largos com espaços verdes em calçada à Portuguesa.
COMÉRCIO:
Nada se vai conseguir para o comércio da baixa enquanto os comerciantes não entenderem de uma vez por todas que estamos no séc. XXI e que quem dita as regras são os consumidores e não os comerciantes.
As lojas do comércio tradicional vão ter de começar por alterar os horários, agruparem-se para conseguirem comprar mais quantidade a menor preço.
Num futuro bem próximo é preciso apostar no comércio sazonal na baixa mas para isso é preciso articulação entre a Câmara Municipal e os donos das lojas/prédios que estão encerrados.
HABITAÇÃO:
A baixa devia ser uma zona de habitação por excelência, mas isso tem de passar por um processo revolucionário a nível de legislação e de mentalidades. Por vezes na vida é preciso um pouco de radicalismo, nesta área defendo que todos os prédios degradados dos particulares que se encontram desabitados devem ser recuperados caso tenham condições para tal ou pura e simplesmente demolidos e colocar calçada à Portuguesa e criado um pequeno espaço de lazer, essa recuperação ou demolição tem de passar por um mecanismo do Estado que cobre as despesas e depois vende ou aluga o prédio e paga ao seu proprietário o valor que se encontrava na escritura no acto da posse administrativa.
Os prédios que são da Câmara Municipal de Coimbra devem estar sujeitos às mesmas regras e podiam ser adquiridos por particulares nas mesmas condições de quando o Estado toma posse administrativa das dos particulares.
BARES:
Como toda a gente sabe sou defensor da vinda de jovens para a baixa, logo por arrastamento implica uma revolução na vida nocturna da baixa, mas isso não significa selvajaria.
A zona preferencial para a colocação de bares seria a margem direita entre a Estação Nova e Ponte do Açude, e alguns bares temáticos com horário menos alargado nas ruas estreitas da baixa.
PROSTITUIÇÃO:
Enquanto não for legalizada a prostituição e reconhecida como uma profissão onde paguem os seus impostos aos Estado nunca vai acabar a prostituição de Rua.
As prostitutas deviam estar legalizadas para a prática da sua actividade e nesse registo devia constar o local da actividade sobre pena de coimas elevadas e suspensão da actividade profissional.
Sem estas medidas não se consegue acabar com a prostituição de rua e cada vez mais se confundem a prostituição com a toxicodependência, cada vez é mais difícil distinguir uma prostituta de uma não prostituta devido às faixas etárias e extractos sociais.

Jorge Neves