segunda-feira, 8 de agosto de 2011

CARTA A MEU FILHO (2)





Beco da Paroleira, 8 de Agosto do ano da graça de Nosso Senhor Jesus Cristo.

 Meu filho, espero que esta carta te vá encontrar bem de saúde e em boa companhia aí na América Latina. Claro que, nesse aspecto, calculo que estarás muito melhor do que eu. Ou tu não fosses filho de quem és. Não quer dizer que eu esteja mal, vê se me entendes. O que procuro explicar é que, pronto, a minha “viatura” não é igual à tua. Já percorreu muitos quilómetros e, é claro, eu que também já não serei um condutor como tu, com a mesma agilidade, e a barriga já se me encosta ao volante, também não posso aspirar a um bólide como o teu. Cada um tem o que pode, entendes meu filho? Não é o que merece, porque se fosse por merecimento haveria muito mais homens sós.
Então, continuando, eu cá vou fazendo pela vida. Fazendo não, imaginando o que é que poderia fazer mais e não consigo fazer melhor. Acredita, meu rapaz, todos os dias congemino coisas. Ponho-me a pensar no que é que falta inventar, mas, depois de muito matutar, chego à conclusão, que já está tudo inventado. Não sei se me entendes, precisava de arranjar uma actividade nova, assim algo diferente, no género do “Ferrero Roché”, que me desse uns cobres para ir para férias. Sim, porque este ano não vou para “vacances”.
Até ontem, domingo, estava a pensar em mandar metade de mim para “vacaciones”. Sim, metade, não faças essa cara de espanto. Não é verdade que todos somos “dois em um”? Não é verdade que todos teremos duas personalidades? Então, sendo assim, era fácil, mandava uma das duas minhas personalidades para o Algarve e continuava com a outra aqui a dar no duro. Quer dizer, faz de conta que é no duro.
Foi então que fui ao “Facebook”, à página do nosso Primeiro-ministro, Passos Coelho, e dei de caras com a sua mensagem, em que ele escrevia que não se comprometia com resultados rápidos nem com sacrifícios suaves e que “todos os portugueses são chamados a participar no enorme trabalho que temos pela frente”. Ora, meu filho, perante isto, o que achas que deveria fazer, mandava a outra parte de mim para férias? Achas que não sou sensível aos apelos do nosso primeiro? Fiz imediatamente uma reunião de emergência entre as minhas duas personalidades e mandei um murro na mesa. “Alto e pára o baile!”, disse eu com voz grave e cortante, assim como quando gritava contigo e até me punha em bicos de pés para me fazer ouvir, mas tu não ligavas nenhuma. “Não há férias para ninguém. Temos de seguir à risca o que disse o senhor doutor Passos Coelho!”. Foi um problema gravíssimo para conseguir conter as hostilidades cá no meu interior. Eu seja ceguinho, meu filho, só estava com medo é que isto virasse assim um tumulto como aquele igual em Inglaterra, e, às tantas, ainda me incendiassem o coração. Não sei se estás a ver. Mas, por acaso, fiz-me forte, assim como se fosse o Ministro dos Negócios estrangeiros, o senhor doutor Paulo Portas, a vender o BPN em Angola, e a coisa lá correu bem. É certo que, tal como o negócio do banco para o Estado foi ruinoso, também eu, nesta negociação, fiquei pior que o Anildo, aquele sem-abrigo que mora ali no Largo da Maracha.
Bom, continuando, quero-te dizer que com a política nacional não se passa nada. Estamos na “Silly Season”. O pessoal, apesar deste momento gravíssimo para o português suave, está todo de férias.
No tocante à política local também nada. Parece que a cidade morreu. Nada se passa. Nada tem graça. Isto é uma desgraça.
Até o comércio está parado, apático, assim à espera do último comboio para Pequim. Mas acho que deveriam fazer alguma coisa, não achas, meu filho? Assim, qualquer coisa que desse no olho. Assim, uma jogada de tiro e queda. Não sei se estás a ver?! Assim uma fífia que surpreendesse a grande superfície. Algo que eles não tivessem feito. Estás a acompanhar o meu raciocínio? Se estiver a ir depressa de mais, diz que eu desacelero.
Então, dizia eu, já viste, por exemplo, vê lá se esta minha ideia não é genial. O comércio tem de começar a capitalizar o que tem de bom, é ou não é? Pois é! Ora diz-me, meu filho, temos tantas mulheres boas no comércio de rua, é ou não é? Então, repara, a bem do colectivo, se todas começassem a atender a clientela em lingerie?! Achas que as grandes superfícies teriam alguma hipótese? É ou não é uma ideia invulgar? Não precisas de responder já.
No tocante à política “rual”, como quem diz cá do Beco da Paroleira, está tudo na mesma. A menina Lurdinhas –não sei se estás a ver, é aquela velha do 31 que por mais se ofereça ninguém lhe aceita os três vinténs- continua a estar na janela a fazer de engodo mas ninguém lhe liga. Achas bem, filho? Eu não. Deveria haver um serviço de porta-à-porta para consolar os mais velhinhos. Que diabo! Como é que eles se desenrascam? Sim, eu sei que os calores deles já não atingirão os 8 graus Célsius que vêm aí nos próximos dias, mas mesmo assim. Que diabo, porque é os idosos tem a linha 144 e outras que tais e não há uma directa para o consolo? Está mal. Não achas, meu filho?
Bom, já vi que não estás a ligar nada ao que estou para aqui a escrever, assim sendo, vou ficar por aqui.
Um grande abraço e não te esqueças de usar camisinha.


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