segunda-feira, 18 de outubro de 2010

UM FILME DENTRO DE "A CIDADE"...



 Imagine o leitor que adquire um bilhete na Estação-Velha de Coimbra para viajar até Lisboa. Entra no comboio, instala-se e espera pelo apito de partida. E parte. Você está distraído com a paisagem. De repente toma noção de uma realidade: o trem tomou uma direcção contrária àquela que você pretendia. Começa por se interrogar se não se teria enganado no comboio. A seguir, pensa se não será uma partida que lhe estão a pregar. Finalmente, quase em desespero, levanta-se, sai na próxima estação e interroga o funcionário da bilheteira acerca do que se está a passar. Este, com uma grande calma, diz-lhe que embora o destino final seja Lisboa, terá de se fazer uma curta viagem de marcha-atrás até à Pampilhosa e, então, só depois seguirá para Lisboa. Diz ainda o vendedor de bilhetes: “compreendo a sua insatisfação. Se quiser reclame. São as ordens que temos!”. Isto foi uma metáfora. Agora vamos a um caso real.
No sábado fui ao cinema, ao “Dolce Vita, em Coimbra, ver o filme “A cidade”, de Bem Affleck. Comprei o bilhete e instalei-me à espera do filme. Como normalmente, veio a publicidade, vieram os “trailers” de outros filmes e começamos a visionar um filme português. No início, pensei que era mais uma apresentação igual às antecedentes. O tempo foi passando. Passam cinco, passam dez minutos passam quinze e a fita continua. Comecei por reparar que algumas pessoas foram abandonando a sala com a lotação esgotada. Viro-me para o meu vizinho, sentado ao meu lado e interrogo-o se sabe o que se passa. Ele está a verificar os seus bilhetes. Tal como eu, pensa que se deveria ter enganado na sala. Um pouco apático, encolhe os ombros e diz-me que não sabe o que se está a passar. “Às tantas enganaram-se no filme”, enfatiza. Viro-me para o outro lado, é uma senhora. Está a revolver-se na cadeira, diz-me que aqui há qualquer coisa que não está certa. Levanto-me, abandono a sala, para saber o que se passa em direcção à bilheteira. No corredor, uma senhora saída da sala ao lado, meio espavorida, interroga-me:
-Nessa sua sala estão a apresentar um filme português? Que filme é que ia ver?
-“A cidade”, respondi.
-Isto é uma bandalheira, eu também comprei bilhete para esse filme, para esta sala, e dão-me um filme português que eu não pedi. No fim vão ter que me devolver o dinheiro. Já viu isto? Estamos aonde? Estes fulanos já se dão ao luxo de nos imporem o que querem. Ai isto agora é assim?!, verbera com uma grande indignação.
Percorri o corredor em direcção às bilheteiras e pedi para falar com o gerente.
-Diga-me, senhor encarregado, o que é que se passa com o filme “A cidade”? Está a passar um filme português. Houve troca de películas?
-Não. O que se passa é que antes do filme de Bem Affleck estamos a apresentar uma curta-metragem de um filme português.
-E então, ninguém informa nada?
Ele aponta para um pequeno cartaz num canto do balcão, mais ou menos com as medidas de um livro, entre 20 por 30, e replica:
-Está ali naquele pequeno cartaz. Ninguém nos mandou avisar. Já muita gente reclamou. Se o senhor o quiser fazer o mesmo está no seu direito.
Voltei à sala e, mesmo com  o filme português a decorrer, falando alto, avisei os presentes de que era uma curta metragem oferecida pela Lusomundo. Cerca de meia-hora depois, começou então o filme “A cidade”.
Este procedimento a fugir para o autista, não tem algo de ridículo? Não haverá aqui um abuso de confiança por parte da Lusomundo ao impor ao telespectador um produto contra a sua vontade?
E então, já agora, custaria muito anunciar mesmo dentro das salas que se irá projectar um pequeno filme? Será que a Lusomundo tem os telespectadores, seus clientes, na conta de autómatos, sem vontade própria e que aceitam tudo?


(ESTE TEXTO FOI ENVIADO À ZON LUSOMUNDO)

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