quinta-feira, 20 de maio de 2010

O ELOGIO DA LOUCURA

(Foto do Diário de Notícias)













Quando o povo tem fome, tem direito a roubar”. Quem teria dito isto? Platão? Padre António Vieira? Montesquieu? Gandi? Álvaro Cunhal? Não senhor! Esta frase está hoje plasmada no Diário de Notícias, e quem o afirma é, nem mais nem menos, do que um dos homens mais ricos de Portugal: Belmiro de Azevedo.
 Quando li esta frase, num primeiro momento, mentalmente fiz um silogismo. Ou seja, dizendo o maior capitalista de Portugal de que “quando o povo tem fome, tem direito a roubar”, logo somos levados a pensar que se alguém for apanhado a roubar nos hipermercados Continente, sendo pobre, não será demandado. Por outro lado, sem dúvida que é um incentivo a furtar nas empresas de um dos empresários mais ricos do país
Depois, num segundo momento, apeteceu-me escrever a satirizar a frase. E num terceiro instante, não fiz nada do que me ocorreu primariamente e estou para aqui, talvez numa introspecção psicanalítica existencial, a tentar justificar a frase infeliz do grande empresário. Infeliz? Eu escrevi infeliz? Não será feliz? Infeliz, porquê?
Antes de continuar, para se entender melhor a minha posição, eu considero-me liberal e seguidor da Social Democracia –independente de partidos políticos que a defendem mas não a praticam na sua génese. Depois desta ressalva, que provavelmente até seria perfeitamente despicienda e de pouco interesse, vou continuar. Pode uma pessoa que enriqueceu à custa dos pobres e de uma remediada classe média, fazer uma afirmação destas? Antes de responder à pergunta, convém clarificar o modo de enriquecimento. É importante analisar o seu percurso de vida. Enriqueceu duma forma ilegal? Não. O seu enriquecimento foi dentro do âmbito do que se entende por lícito. Ainda que se discorde, ou não, este homem limitou-se a usar muito bem os labirintos do neo-liberalismo, do “laissez faire, laissez passer”, em que a sociedade europeia actual se transformou. Isto é, a arcar com culpas, terão de ser endossadas a todos os governos que passaram a gerir o país a partir, sobretudo, de 1986 –ano da assinatura do pacto com a então CEE, Comunidade Económica Europeia. Em que os sucessivos executivos, levando progressivamente o Estado a perder a regulação e a capacidade de intervenção na Economia, apenas assentaram faróis no aumento exacerbado do consumo. O consumo, para todos os governos, passou a ser a senhora dos milagres da economia. O problema é que se esqueceram que, em casa doméstica sem receita, não se pode elevar a dívida ao merceeiro até ao infinito. Um dia, inevitavelmente, surge o corte.
Confundindo Desenvolvimento com Crescimento, naturalmente que, embora irmãos siameses, com duas cabeças, cada um tem sua função.
 Entretanto vamos lançando uma interrogação: e que terá a ver Belmiro com o Crescimento e Desenvolvimento? Ora bem, sem dúvida que este homem foi muito importante para o desenvolvimento do país. Criou empresas, aumentando o emprego a médio prazo. Contribuiu para o crescimento das exportações. E mais: passámos a ter, na mundialmente reconhecida Revista Forbes, três ricos nos primeiros setecentos lugares.
 Através do embaratecimento dos produtos, procurando fornecedores, além-fronteiras, onde o custo fosse menor, com margens de lucro ínfimas, tendo em conta, a venda por grosso, em grande quantidade na procura de uma clientela centralizada de massas, democratizou o acesso dos bens duradouros a todos os consumidores.
  E para o crescimento económico do país? Contribuiu? Sim, contribuiu, mas, se exceptuarmos os últimos 15 anos, em que o aumento desse crescimento assentou numa falácia de mais-valias e ajudou a transformar a nação unicamente em prestadora de serviços, o que aparece agora aos olhos de todos é que o seu tributo foi negativo. Infelizmente não foi só ele. O emprego que criou foi sempre à custa de uma política de terra queimada. Cada posto de emprego criado assentou no funeral de várias pequenas empresas familiares encerradas. Na procura obsessiva do preço mais baixo, aumentou drasticamente as importações, e levou ao desaparecimento de pequenas unidades produtoras de bens agrícolas nacionais. A médio e longo prazo foi causador, ou pelo menos contribuiu, para o elevado desemprego que estamos a assistir e que, inevitavelmente, continuará a subir.
 Chegados a este ponto, já podemos então responder à pergunta: pode um empresário, que contribuiu para o empobrecimento geral de uma nação, a nível social, mas individualmente enriqueceu com o beneplácito dos governos, vir afirmar que “quando o povo tem fome, tem direito a roubar”? Poder, pode, mas, no mínimo, esta afirmação é tremendamente hipócrita.
Do ponto de vista legal, tendo em conta a importância do emissor, deveria ser sancionado por concorrer negativamente para a decrescência moral do país, no alento, no incentivo, à sua prática social. Roubar, seja em que situação for, numa sociedade justa, nunca é aceitável. Frases como estas, do ponto de vista comunitário, são completamente vazias de conteúdo. São simplesmente panfletárias e com objectivos e desígnios obscuros de alcance duvidoso.
Este homem, sem dúvida que enriqueceu legalmente, mas à custa de governos que nunca tiveram em conta o superior interesse do país com políticas de longo prazo. Limitou-se a ter olho em terra de cegos. Talvez por isso, neste momento, estejamos todos a pagar com língua de palmo. O grave é que ainda estamos no princípio. O grau de destruição deste e de outros grupos económicos foi tão grande que o país não terá mais concerto. O que se espera, para acabar com este regabofe, é a lição da primeira República: acabar com a ligação à Comunidade Europeia e à Globalização, uma nova moeda, o proteccionismo em grande escala na economia, cortando com as importações, e relançar a economia interna Nacional, desde as pescas à agricultura e à pequena indústria caseira desaparecida. Se continuarmos a importar mais de 80 por cento do que se consome internamente, não é preciso ser economista para ver que o país caminha para o precipício.
 Bem pode apelar Belmiro Azevedo ao roubo. Às tantas, estará à espera que este desvio social seja desvalorizado socialmente e privatizado, contando que os tribunais deixem de intervir coercivamente. Só pode…

2 comentários:

Sónia da Veiga disse...

Luís:

É isto que eu gosto em si: a sua capacidade de dar uma opinião isenta e explicar todos os factos, considerando todos os pontos de vista, sem deixar a sua opinião pessoal interferir (nem sequer transparece, coitadinha!)!!!

Nunca tinha pensado na "culpa" do "tio" Belmiro até hoje.

Se cada vez mais me pesa a consciência sempre que me apercebo que o que tenho na despensa não é nacional, que era fã da IKEA e já começo a repensar as coisas, quanto mais quando voltar a ir ao Continente...

Obrigada pelo seu papel de "advogado do diabo", que me faz ver diferentes assuntos todos os dias com olhos de ver! ;)

Jorge Neves disse...

Parabéns , mais uma vez , á coragem, que é a primeira de todas as virtudes humanas, homens com coragem, carácter e muitas demais virtudes é que um País necessita., mostrar a estes aprendizes de boas maneiras lidar com populações em massa e quais as suas necessidades sociais.
Eu entendo muito bem o que o sr.Belmiro pretende dizer, e não o que as pessoas interpretam com o que disse, é preciso ter muito cuidado em meter em pratica a dita afirmação"“Quando o povo tem fome, tem direito a roubar”, porque nem tudo que parece é.
Apetece-me dizer, vou já aos supermercados dele roubar carrinhos cheios de comida, e depois quero ver se não apresentam queixa porque afinal é um direito que tenho!