quinta-feira, 25 de março de 2010

EDITORIAL: BAIXA, ESTA AMADA TERRA DE NINGUÉM






 Ao ver as muitas fotografias que publico da Baixa, e captadas ontem às 21H30, não sei se o consegui, mas a intenção é de quem as visionar, pelo choque, apanhe um murro no estômago. Uma coisa é falarmos, dizendo que o Centro Histórico à noite não tem ninguém, outra, é olharmos as imagens, a frio, e, uma-a-uma, vermos que esta zona está transformada em terra de ninguém.
Como sempre, há muito que perdemos tempo e energia a driblar a culpa deste “status quo”, deste desertificado situacionista. Os consumidores e inquilinos atribuem responsabilidades aos comerciantes e proprietários; estes à Câmara Municipal e esta ao governo do país. E, à roda, sem fim à vista, andamos neste círculo infernal. Sim, é um círculo, porque se invertermos a ordem dá o mesmo. O problema (e grande) é que, dos que falei, ninguém está isento de culpas. O governo porque não legisla, acabando de vez com este anacrónico Regime de Arrendamento Urbano. Apostou tudo nas SRU’s, Sociedades de Reabilitação Urbanas, e vai perder. Ou melhor, nós é que perdemos, porque, entre o convencimento natural dos donos dos prédios e a impugnação em tribunal, tudo vai continuar na mesma. As câmaras municipais, porque embora, de certo modo, estejam de mãos atadas pela absurda lei de arrendamento que rege o sector, não fazem grande coisa. E o pouco que fazem é mais mal do que bem. Em vez de sentarem à mesma mesa proprietários e inquilinos, apelando a uma ponderação possível numa razão impossível, que não existe por imposição de uma aberração a que chamam lei de arrendamento.
As autarquias, como se fossem um grande pai de filhos que não reconhecem a mãe, limitam-se a ouvir os inquilinos, obrigando os senhorios a fazerem melhoramentos às vezes absurdos, sem levarem em conta as rendas pagas e o empobrecimento geral e continuado dos proprietários. Deveriam, por exemplo, isentar de IMI, Imposto Municipal sobre Imóveis, todos os locados arrendados nos centros históricos.
Os proprietários, muitos deles envelhecidos, uma grande maioria, senhores de um património vasto que herdaram dos seus antepassados, e, estes, que tantos sacrifícios passaram para os adquirirem, agora, em vez de venderem, mesmo barato, não senhor, preferem ter os edifícios vazios, abandonados e a esboroar-se, do que darem o objecto de uso a que foram destinados. Com esta decisão egoísta estão a condenar os centros das cidades ao abandono.
Outros ainda, embora mais no caso de lojas comerciais, pedindo valores que são verdadeiros horrores –sabendo antecipadamente que são incomportáveis, porque foram comerciantes-, preferem manter os espaços encerrados, e contribuindo para a desertificação urbana, do que arrendá-los por verbas justas, tendo em conta o momento económico que se vive.
Os comerciantes, maioritariamente cínicos e egoístas, que desde sempre apenas olharam para os seus umbigos. Nunca fizeram nada nem pelo vizinho caído em desgraça, nem pela zona onde sempre ganharam a vida, nem pela cidade a que devem profundo respeito. Desde sempre se habituaram a “esmifrar” o mais possível sem nunca darem nada pelo colectivo. Basta reparar nas muitas montras às escuras, que se vêem nas fotos, para se ver que, neste apagamento, há muito mais do que o querer poupar. É o estar a marimbar-se para quem passeia à noite e para as zonas em que estão inseridos. Não dando um pouco de luz para a via pública, é o mostrar alheamento por tudo o que se passa à sua volta. É, neste acto, o mostrarem desprezo pelos poucos que, sacrificando a sua vida em contínuo prejuízo da família, vão tentando remar contra a maré. Estão ali por estarem. Nada fazem, nem por eles, nem pelos outros. Pedir-lhes sacrifícios, para abrirem até mais tarde, para além das 19 horas ou não encerrarem aos Sábados à tarde, nem pensar! O que quererão estas pessoas? Ao menos que fizessem um pouco de esforço em memória dos seus antepassados, velhos comerciantes, que nas décadas de 1970/80, tanto fizeram para desenvolver a cidade e torná-la no maior centro comercial ao ar livre da zona centro do país.
Por fim, os consumidores (que somos todos). Uma massa abstracta, fria e insensível a qualquer apelo bairrista ou nacionalista, egocêntrica, que, nas últimas décadas, se constituiu no motor da economia –ou então, pelo contrário, a economia é que ancorou o seu desenvolvimento no consumo- e que se está nas tintas para a decrepitude dos sectores económicos de um país ou de uma cidade. Mesmo sabendo que vai pagar com juros –já está a pagar, através da subida de impostos para colmatar o défice interno, e que todos os dias se agiganta para pagar subsídios de desemprego-, assobia para o lado.
Entretanto, a cidade, aquela das fotos, aquela terra de ninguém, todos os dias vai ficando mais vazia e triste…

3 comentários:

Anónimo disse...

ã TAXA DE IMI para a Baixa não é a mesma para os outros locais do concelho de Coimbra. Julgo mesmo saber que para a Baixa o IMI é Taxa Reduzida.
(Sujeito a confirmação na C.M.C. ou na Junta de Freguesia).
Xico

Sónia da Veiga disse...

Parabéns pela publicação no Diário de Coimbra de Domingo, dia 28/03, deste alerta no "Fala o leitor".

Já guardei a folha à espera do dia em que lhe consiga cravar um autógrafo!!! Daqui a uns anos valerá milhões!!! :D

Que mais e mais ouçam a sua voz!

Um grande bem-haja,
Sónia

LUIS FERNANDES disse...

A Sónia é uma "brincalhona". Mas sei lá! De repente...deixou-me a pensar. Se calhar poderia ganhar o "Pulitzer". O Pulitzer? Fogo isso é pequeno de mais...talvez o Nobel...ou sei lá o prémio interplanetário de todas as Galáxias. Ai, ainda não foi criado? Ó diabo...mas calma que um dia virá.
Abraço e obrigada.