sexta-feira, 25 de setembro de 2009

EXAMES EM PORTUGAL: A TRAGICOMÉDIA INSTITUCIONAL



Não é a primeira vez que escrevo sobre este assunto. Já o fiz duas vezes. No entanto, talvez pela cegueira colectiva, entendo que devo voltar a malhar em ferro frio. Escrevo da senhora Cristina Araújo, que foi, há cerca de um mês, condenada no Tribunal de Coimbra a um ano de cadeia por ter sido apanhada pela 37ª vez a conduzir sem carta de condução. Apenas por rigor histórico, lembro que já tinha cumprido anteriormente três anos de cadeia pelo mesmo crime continuado. Lembro também que esta senhora, aquando deste julgamento, já fora 8 vezes a exame de código.
Ontem, mais uma vez a senhora Cristina Araújo foi notícia de primeira página. Foi apanhada a conduzir, outra vez sem carta, pela 38ª vez.
Hoje, talvez porque já nem seja notícia, ou se o for envergonha todos, mais uma vez, pela 9ª vez, ontem, chumbou no exame de código, mas vem num cantinho do jornal. Está redigida como se fosse uma penhora, um óbito.
Eu entendo que, provavelmente, poucos compreenderão o meu ponto de vista. A maioria, por descarga de consciência, limita-se a dizer que a lei é para se cumprir. É assim e mais nada! Pouco importa que esta mulher tenha filhos, precise do título para conduzir legalmente para ganhar o seu pão nestes labirintos legalistas absurdos. Sim, porque a prática ela tem. Conduz há vinte anos.
Pode-se até pensar que defendo que se lhe deve dar a carta de condução. Nada disso. O que defendo é que o sistema está errado. Num igualitarismo atroz formata todos por igual, sem ter em conta as diferenças que dividem a igualdade dos humanos. Como esta senhora chumba reiteradamente, para não pensarmos muito, catalogamo-la de…”burra”. Num estereótipo assente de um século, o que interessa é que tenha sucesso, pouco interessa como, mas é preciso é passar no exame. Se não consegue passar é catalogado como jumento. Mas, pensemos, e se o for? Só há lugar nesta sociedade para os mais inteligentes? E os menos vocacionados?
Qualquer de nós conhece uma “estória” de insucesso no exame de condução. Por exemplo, eu, na minha família, tenho dois casos de pessoas que acabaram por desistir depois de terem pago quase um milhar de euros –claro que, no limite, no que me toca, é fácil de dizer que a burrice é hereditária senão genética. Mas, e nos outros?
O que se espera para avaliar cientificamente o exame de condução? Qual é a percentagem de chumbos em média? Quantas pessoas desistem? Porquê? Qual a causa? São perguntas que urgem respostas prementes.
A bem do melhor que existe dentro de nós, não podemos continuar a pactuar com este sistema absurdo. E o que nos faz aceitá-lo? Se calhar só a psicologia social explicará. Provavelmente porque precisamos de bodes expiatórios. Precisamos de olhar para estas “Cristinas” como se elas representassem os “outros”, os mais burros, os inferiores a nós. Esta sensação, sádica, assente na superioridade, deixa-nos contentes. O nosso ego cresce. Pertencemos a outra casta. “SOMOS MUITO MAIS INTELIGENTES DO QUE ESTA GENTINHA”, pensamos, quando estamos sentados na sanita, no maior hábito igualitário da sociedade.

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